quarta-feira, 26 de março de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 80


Eu só quero ficar quietinha, na minha. Pensar nesse piano triste que me assombra de tempos em tempos. 

Mas me conforta.

Lindo como um corte no pulso.

Olho para minhas cicatrizes e não penso em como elas vieram parar ali. Apenas sonho com o piano hoje. Talvez não sonhe amanhã, mas sonho hoje. Estou morrendo de fome, não vi Cris hoje, mas sei que ela não vai jantar comigo. Também não vi Sarah, e nem sei por que estou escrevendo esta maldita história de novo. Na verdade, não estou escrevendo história nenhuma. Escrevo para você, e penso em você, com saudades. Saudades de quem não lembro, saudades de não lembro onde.

Ainda assim, saudades.

Talvez pensar nesse piano me leve até o fim disto. Me leve até Clara. Ouvindo o piano tocado por Maria, e penso de novo na foto que devia haver sobre o piano. Já descrevi, mas preciso escrever de novo, enquanto aqueles acordes perdidos no tempo, aquelas teclas tocadas com amor, que talvez ainda não tivessem a dor que retumba em minha cabeça: Maria tocando para Clara. Clara sorrindo, Maria sorrindo. Um dia elas duas sorriram, lindas que foram. E acho que noite após noite tento encontrar esse sorriso nelas, talvez um sorriso que...

Já foi meu?

Queria escrever que a química em meu cérebro está mudando, queria escrever quem sabe coisas mais positivas. Mas que diferença faz se ninguém vai ler essas bobagens que escrevo? Ninguém vai ler, porque ou vou desistir de escrever esta merda e jogar tudo no lixo, ou vou escrever até o fim, e jogar no lixo igual. Sarah disse que queria ler, depois acho que desistiu. Talvez ela leia isso aqui escondida.

Psicanalistas misteriosos. O que ela está escondendo? Porque não me conta qual o grande segredo por trás dessa bobageira toda?

Porque ela não pode contar, e odeio ela um pouco por causa disso.

Às vezes odeio ela muito.

Hoje foi outro daqueles dias que eu queria explodir esta droga de lugar.

Mas confesso que pensar no piano me dá vontade de chorar. De dor, mas de paz também.

O piano que me conta uma história. A história que nunca consigo escrever. Se Maria tocava o piano, como imagino que tocava, sei que Claudius, o maldito homem alto e moreno de cabelos lisos cujo nome demorei tanto para criar, não gostava. Por quê? Ele tinha ciúmes de Maria?

Maria, tenho vontade de chorar.

Maria que abandonou Clara. Que deixou que acontecesse o que aconteceu com Clara.

Maria era uma boa mãe. Ela não sabia, ou não quis saber, ou teve medo de saber. Medo de Claudius. Lara que apareceu para cuidar de Clara, e acabou cuidando só de Claudius.

Vagabunda.

Maria era uma boa mãe. Ela amava Clara e como mãe, amava Clara mais que tudo. Existe algo de errado nesta história. Sou uma escritora tão, mas tão ruim. Mas vou descobrir o que se esconde por trás daquela foto sobre o piano. Talvez Claudius, maldito, tenha se excitado olhando para a fotografia.

E não com Maria.

Queria chorar agora e acordar amanhã, em outro dia, outro mundo. Talvez seja possível.

Em algum lugar, talvez o piano ainda esteja tocando.

E preciso encontrar esse lugar.

E vou, leve o tempo que for.

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