17
de agosto de 2016
23:48
A
porta se fecha. Começo a escrever. Dói, mas dói mais não escrever. Não tenho a
menor ideia do que vou escrever e jamais tive e, sabemos, isso não importa. A
verdade é que hoje lembrei de uma frase de Virginia Woolf, que dizia que o verdadeiro
prazer é escrever; ser lido é um prazer secundário. Aliás, se ninguém vai ler
esta bosta, para que me preocupar? Escrevo para mim mesma, escrevo porque de
alguma forma faz sarar todo esse caos que habita em mim. Mas não era isso que
eu queria falar. Estou fugindo da raia, fugindo de mim mesma, como sempre.
Fugir
de mim mesma sem ser encontrada.
A
mágica começa a acontecer.
Meus
dedos estão de novo possuídos.
E
não consigo parar.
Agora
vamos direto ao que interessa, Maria: estava há pouco fechando a porta para me recolher
ao meu quarto-cela, me perder na imensidão de mim mesma, transitar por este
castelo no qual sou a princesa no alto da torre, escrever qualquer coisa,
escrever porque preciso dar um sentido para essa dor que me volta quando fujo,
e sempre fujo, e encontrei Sabby, saída do nada, caminhando pelo corredor, já
escuro, porque acho que minhas irmãs-zumbis já foram dormir, e a madrugada é
meu reino, e ela me deu uma facada:
−
Estou curiosa para saber do incêndio, Maria. Houve um incêndio, não? Ou foi
apenas um delírio? Ou fui eu que sonhei isso?
Quase
caí no chão, e quisera eu que tivesse caído, desmaiado, morrido, me esfarelado
por aí. Ela foi embora, como se tivesse apenas vindo para largar a faca e
decidiu não ficar para ver o que vou fazer com ela.
Como
ela sabe do incêndio?
Será
que ela sonhou isso, e o inconsciente dela se comunicou com o meu?
Meu
deus, de novo as teorias do velho tarado.
Um
incêndio.
Tenho
queimaduras. Tenho cicatrizes. Talvez eu já tenha sido uma das Garotas Que Se
Cortam. Sim, claro que fui, quando fui visitar a ala delas nos reconhecemos.
Não
há uma ala para Garotas Com Fendas Sobreviventes De Incêndio aqui.
Talvez
um fogo. Talvez uma chuva.
Claudius,
aquele filho da puta. Que abusava da pequena Clara. Batia em Maria, a mãe. A
mãe de todas, ouvi Lady Brownie falando. Claudius que comia a cunhadinha gostosinha
jovenzinha putinha Lara, com quem teve um filho não assumido, Marcos. Irmão de
Clara. E de Jonas, o irmão de Clara que talvez tenha ficado deficiente depois
do que aconteceu. Depois do incêndio? pareço ouvir Sabby perguntar.
Talvez
sim, Sabby. Um suicídio que não deu certo, pensei agora.
Alguém
tentou se matar.
Ligou
o gás.
Ó,
meu deus.
Quem
foi?
Maria,
a mãe?
A
pequena Clara?
Todos
morrem, devo ter escrito em algum lugar.
Talvez
eu chorasse, mas ainda estou angustiada.
Ajude-me
a decifrar este mistério, Sabby.
O
incêndio foi real ou apenas um delírio?
Às
vezes acho que estou morta.
Estamos,
Sá?
Não
pode ser esse o final de tudo.
Pode?
Continuo
escrevendo, a angústia não passa. Mas não posso parar e pensar, senão a mágica
desaparece. Tenho que confiar nela. O velho tarado dizia que na verdade a gente
não esquece. Pode estar recalcado nos confins do porão de nós mesmos: mas a
gente não esquece. O incêndio está lá, de alguma maneira. Um suicídio que não
deu certo, é o que penso agora.
E
sei lá por que me vem à cabeça uma frase:
−
Não me chame de puta.
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