segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Escrever a sério


Escrever não é um hobby. É um chamado (...) Se você quiser que outras pessoas o levem a sério, é vital que você leve a sua escrita a sério (...) Você não vai melhorar sua escrita, a menos que realmente escreva (...) Escrever regularmente é a chave aqui.

Ainda sobre a discussão de manter o foco, sentar e escrever ali do post abaixo, encontrei três textos muito legais se você quiser treinar o inglês. Reserve um tempinho para ler, eles valem o ingresso. O primeiro fala sobre por que jamais haverá uma hora perfeita para escrever. O segundo sobre cinco razões por que sua escrita é importante (mesmo que ninguém leve você a sério). E o terceiro são 7 hábitos dos escritores sérios. Sérios no sentido de profissionais.

Sei que os carinhas do Nanowrimo estão na contagem regressiva para escreverem um livro em um mês, agora em Novembro. Sorte deles que lá vai ser Outono, infinitamente melhor e mais convidativo para escrever, mas como comecei dizendo: jamais haverá uma hora perfeita para escrever. A hora perfeita é agora.

Enquanto isso, a história de Carol já passou na primeira fase do processo de seleção da bolsa da Biblioteca Nacional (a dos documentos). Enquanto você me lê, eu escrevo, e pessoas no mundo todo correm para cumprir o prazo de 50.000 palavras até 30 de novembro, diversos projetos para escreverem seus livros (incluindo o meu) estão sendo avaliados. A roleta está girando, para mim e para Carol.

Vamos que vamos.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Concentração, Perseverança e Palavras por Minuto


“Em toda entrevista me perguntam qual a qualidade mais importante que um romancista deve ter. Isso é bem óbvio: talento. Não interessa quanto entusiasmo e empenho você põe em escrever, se for totalmente destituído de talento literário, pode esquecer a ocupação de romancista. Isso é mais um pré-requisito que uma qualidade necessária (...).
Se me perguntarem qual a segunda qualidade mais importante para um romancista, essa também é fácil: concentração – a habilidade de focar todos os seus limitados talentos no que for mais crucial no momento. Sem isso não se pode realizar nada de valor, ao passo que, se você for capaz de se concentrar eficientemente, conseguirá compensar um talento errático ou até a falta de talento. Eu geralmente paro para escrever de três a quatro horas todas as manhãs. Sento em minha mesa e me concentro totalmente no que estou escrevendo. Não olho para mais nada, não penso em mais nada. Mesmo um romancista muito talentoso e com a cabeça fervilhando de novas ideias provavelmente não consegue escrever uma linha se, por exemplo, estiver sofrendo com uma cárie. A dor bloqueia a concentração. Isso é o que quero dizer quando afirmo que sem concentração você não realiza coisa alguma.
Depois de concentração, a coisa mais importante para um romancista é, sem sombra de dúvida, perseverança. Se você se concentra em escrever três ou quatro horas por dia e se sente cansado após uma semana fazendo isso, não será capaz de escrever um livro longo. O que um escritor de ficção necessita – pelo menos aquele que sonha escrever um romance – é a energia para se concentrar todo dia durante meio ano, ou um ano, dois anos (...).
Felizmente, essas duas disciplinas – concentração e perseverança – são diferentes do talento, uma vez que podem ser adquiridas e aperfeiçoadas por meio de treinamento. Você aprenderá a ter tanto concentração quanto perseverança quando sentar todo dia diante de sua escrivaninha e treinar a mente a se concentrar em uma coisa só. Isso parece um bocado com o treinamento muscular de que falei agora há pouco. Você precisa transmitir continuamente o objeto de sua concentração para seu corpo todo, e se certificar que ele assimilou por inteiro a informação necessária para que você escreva todo dia e se concentre na tarefa diante de si. E gradualmente você expandirá os limites do que é capaz de fazer (...) Paciência é um componente obrigatório do processo, mas garanto que os resultados virão.
Em sua correspondência particular, o grande escritor de policiais Raymond Chandler certa vez confessou que mesmo que não escrevesse nada, obrigava-se a sentar em sua mesa todo dia e se concentrar. Entendo a finalidade por trás disso. Esse é o modo como Chandler arrumava para si mesmo a resistência física de que um escritor profissional precisa, aumentando tranquilamente sua força de vontade. Esse tipo de treinamento diário era indispensável para ele.
Escrever romances, para mim, é basicamente um trabalho braçal. Escrever, em si mesmo, é um trabalho mental, mas terminar um livro inteiro está mais próximo do trabalho braçal. Não envolve levantar peso, correr ou pular. A maioria das pessoas, contudo, enxerga apenas a realidade superficial da escrita e acha que os escritores vivem silenciosamente concentrados em um trabalho intelectual em seu gabinete ou escritório. Basta ter força para erguer uma xícara de café, imaginam, que você pode escrever um romance. Mas assim que você arregaça as mangas para começar, percebe que não é um trabalho tão tranquilo como parece. O processo todo – sentar em sua mesa, concentrar sua mente como se fosse um raio laser, imaginar alguma coisa em um horizonte vazio, criando uma história, escolhendo as palavras certas, uma a uma, mantendo todo o fluxo da história nos trilhos – exige muito mais energia, por um longo período, do que imagina a maioria das pessoas. Pode ser que você não mova seu corpo de um lado para outro, mas há um exaustivo e dinâmico trabalho operando dentro de você. Todo mundo usa a mente quando pensa. Mas um escritor veste um traje chamado narrativa e pensa com todo seu ser; e para o romancista esse processo exige pôr em ação toda a sua reserva física, geralmente ao ponto da estafa.”

O inspirado trecho acima, retirado de Do que eu falo quando eu falo de corrida, do escritor e maratonista Haruki Murakami, me incentivou a fazer um belo exercício de aquecimento, que a partir de hoje pretendo que seja diário, treinando os dedos e a concentração, com este belo teste para aumentar a velocidade de digitação. Digito relativamente rápido, sem olhar para o teclado, mas preciso estar em constante exercício. Seja através da correspondência eletrônica, seja atualizando estes trovões de muitos acessos e poucos comentários, seja compondo ficção. Até ler esse livro, tão bem escrito que até um sedentário confesso quanto eu é capaz de se encantar – desde que também seja encantado pela literatura –, achava que não praticava regularmente nenhum esporte (desde que mudei para apartamento, alguns anos atrás, o estudo e prática da bateria ficaram totalmente comprometidos, infelizmente, afinal a bateria não foi feita para condomínios). Mas se mantiver a concentração e a perseverança, começando por hoje, posso me exercitar e treinar meu instrumento, colocando óleo nas engrenagens da escrita.
Então, vamos ao foco.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Sobre a inveja e as potencialidades reprimidas


Eu não sou alguém invejoso.

Todavia tenho muitos outros defeitos.

Aconteceu-me uma coisa estranha nos últimos anos.

Um boato sobre mim, um boato tão grande que me paralisou como ser humano e também economicamente.

Isto me permitiu entender que o sentimento de inveja é onipresente e fonte da maior parte da discórdia nesta Terra, e pode ser, talvez, a Terceira Guerra Mundial.

E com base em meus sentimentos passei a me interrogar sobre o que é inveja.

Eu compreendi que pode ser simplesmente inveja, o potencial de uma pessoa mesmo que não seja necessariamente conquistas recentes: podemos invejar o seu bom humor, o seu olhar sobre o mundo e especialmente a sua maneira especial de ter este olhar, mesmo sem perceber.

Ali está também sua fraqueza, ela não sabe que é invejada, ela não percebe os golpes da espada.

Ela vê muito potencial e realizações em outras pessoas e não suspeita que dela parte uma inveja castradora e maledicente.

Como tenho que transformar chumbo em ouro, eu tento perceber o meu potencial latente e alcançar grandes coisas, às vezes, eu não tenho como suspeitar de mim, da minha inveja em relação às realizações das outras pessoas.

Podem ser coisas simples, apenas arrumar a sua casa com amor.

Com isso, dirijo-me a todas essas belas pessoas que gostam de mim e estão paralisadas economicamente e socialmente: fazer o quê?

Pois é: a grande maioria dos desempregados que mantenho contato são pessoas com enormes potencialidades reprimidas.

Desemprego existe é talvez exprimir-se é trabalhar no sentido que cada um tem a sua maneira de assim fazer uma atividade; e que trabalho como nós o conhecemos não é a única maneira de existir.

Tudo que você faz de maneira benévola, mesmo voluntariamente, mesmo para ti, podes colocá-lo em teu ‘curriculum vitae’.

Tu és uma micro-empresa.
 
(tradução livre do francês – comentário, feito em francês, de um ‘anônimo’ em um blog em língua espanhola escrito dia 3.10.2012, às 11:39 a.m. Obrigado, Augusto de Amorim, pela colaboração.)

 
Enquanto isso e as mudanças se demoram neste outubro de revoluções, penso em Joshua e Oleo, essa última gravada ali pelo meio do Relaxin' with the Miles Davis Quintet, com a certeza de que a vida deve seguir em frente.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Por que ainda não traduziram On Writing, de Stephen King?


“O seu tempo é valioso e o meu também, e ambos entendemos que as horas que passamos falando sobre escrever não são as horas que passamos de fato escrevendo. Serei tão animador quanto possível, porque é minha natureza e amo este trabalho. Também quero que você o ame. Mas se você não quiser suar a bunda trabalhando, você não tem negócio algum tentando escrever bem. (...) Se Deus deu algo que você pode fazer bem, por que em nome de Deus você não faz? (...) Não se pode transformar um mau escritor em um bom escritor, nem um bom escritor em um grande escritor, mas é sim possível, com muito trabalho duro e perseverança, transformar um escritor competente em um bom escritor (...) TV é a última coisa que um aspirante a escritor precisa, e se você não vive sem saber as notícias da CNN e os jogos do ESPN, ou assistir Jay Leno todas as noites, está na hora de você se perguntar a sério sobre seu futuro como escritor (...) Para ser escritor, você precisa fazer duas coisas acima de tudo: ler muito e escrever muito. Até onde eu saiba, não existe outro caminho; não existe atalho.”

  
No fim de Oficina de Escritores, que considero a Bíblia para quem quer escrever (ou melhor, uma das Bíblias), Stephen Koch fala de On Writing – A Memoir of the Craft, de Stephen King, que ele considera talvez o mais útil e abrangente livro escrito sobre o ofício de escrever, e de onde grande parte (partes demais, eu diria) da Oficina foi tirado. Pois que tive a honra e a boa vontade de ler On Writing (esta edição da Scribner, com hard cover), no original em inglês, já que ele ainda não foi traduzido. Aliás, por que ainda não traduziram On Writing? Juro que quando o traduzirem compro um exemplar para reler.

O livro já começa bom, com King dizendo que sua intenção é contar como um escritor se forma, e não como ele é feito, já que para ser escritor a pessoa tem que vir com algumas peças de fabricação. Em seguida começam as memórias da infância, o pai que sumiu para sempre porque estava enterrado em contas, logo quando King era bem pequeno, depois uma baby-sitter que era “grande como uma casa”, que vivia o sufocando e peidando em sua cara, que ele lembra de ser “escuro, terrível, mas também gerava algumas risadas”, e nesse sentido ela também o preparou para a crítica literária. Sua voz nos conduz como se ele estivesse conversando com a gente. Aos seis anos de idade, ele plagiou uma história e deu para sua mãe ler, que gostou, mas quando confessou não ter sido ele quem inventou, ela disse: “Escreva suas próprias histórias, Stevie. Você pode fazer melhor que isso”. Então ele escreveu sobre quatro coelhos dirigindo um carro e ajudando crianças. Ela leu, perguntou se ele mesmo tinha escrito aquilo. Depois que ele confirmou, ela disse que aquilo bem poderia estar em um livro. Stephen disse que desde então nenhum elogio que recebeu em sua carreira foi melhor que aquele.
 
Depois das experiências com o jornal da escola, e com um conto que fez como uma releitura de O Poço e o Pêndulo, de Edgar Allan Poe, e terem perguntado por que ele perdia tempo escrevendo aquele lixo (onde ele acrescenta: “todo escritor, pintor, cantor, já teve alguém que perguntou “por que você está desperdiçando seu tempo com isso?”), King foi trabalhar na biblioteca onde conheceu Tabitha Spruce, com quem casou um ano e meio depois, e ainda é casado, e se apaixonou por sua poesia em um sarau entre amigos.
Quando finalmente conseguiu vender Carrie, em um contrato que foi de 2.500 a 400.000 dólares, King conta a triste história das duas garotas que inspiraram Carrie, as duas já mortas quando o livro foi publicado (uma por ataque epilético, a outra por suicídio). Ele também conta que jogou o esboço de Carrie no lixo, e foi sua esposa Tabby quem resgatou o texto da lixeira e disse que ele deveria continuar escrevendo, e que seu apoio foi fundamental para que ele seguisse a carreira de escritor. Em seguida sua mãe morreu de câncer no hospital, e depois que saiu O Iluminado (cujo protagonista é um escritor alcoólatra), King teve que admitir que estava falando dele mesmo, um escritor e adicto (ele também estava usando cocaína) e disse que pedir para um alcoólico maneirar na bebida é como dizer para alguém que está sofrendo de diarreia maneirar na caganeira.
A segunda parte do livro (Toolbox) fala nas ferramentas que todo escritor deve trazer consigo, e tê-las a mão quando precisar delas. Em primeiro lugar está o vocabulário (inclusive o vocabulário de rua) e a gramática, que vai melhorando conforme vamos lendo. No fim do capítulo anterior ele alerta que a partir de agora vamos falar a sério sobre o ofício de escrever, e se você não quer levá-lo a sério, feche o livro e vá fazer qualquer outra coisa. Como lavar seu carro.
“Não se deve pensar muito sobre onde o parágrafo começa ou termina, o truque é deixar a natureza fazer o resto. Se você não gostar mais tarde, então conserte. É sobre isso que é reescrever (...) O objeto da ficção não é o senso de correção gramatical, mas fazer o leitor bem-vindo e contá-lo uma história, e se possível fazer ele esquecer que está lendo (...) Escrita é pensamento refinado (...) O parágrafo de uma única frase está mais perto da conversa do que da escrita, e isso é bom. Escrever é sedução (...) A batida na qual o escritor desenvolve sua prosa, é a batida que ele escuta em sua cabeça. Descobrir essa batida é o resultado de milhares de horas de prática, e de dezenas de milhares de horas lendo (...) Estamos falando sobre ferramentas e carpintaria, sobre palavras e estilo, mas conforme vamos nos movendo (no texto) você faria bem em se lembrar que também estamos falando de mágica.”
 
King diz que lê onde pode e que salas chatas de espera foram feitas para ler (eu acho que ônibus também, mas anyway). Para ele, as manhãs pertencem a tudo que for novo – a composição atual. As tardes são para cestas e cartas. As noites são para leitura, família, jogos do Red Sox na TV e quaisquer revisões que não podem esperar. Basicamente, as manhãs são seu horário nobre para a escrita.
“Como todos os outros aspectos da boa escrita, a chave para escrever bons diálogos é a honestidade. A Legião da Decência pode não gostar da palavra merda, e talvez você também não, mas nenhuma criança vai correndo até sua mãe para dizer que sua irmãzinha defecou (...) Toda semana recebo uma carta (muitas vezes mais de uma) acusando-me (ofendida com o que meus personagens disseram). A chave é deixar os personagens falarem livremente, sem se importar com o que vão dizer a Legião da Decência ou o Círculo de Leitura das Senhoras Cristãs. Do contrário, além de ser desonesto, seria covarde, e a escrita de ficção não é trabalho para covardes intelectuais (...) Honestidade é fundamental (...) Como disse Frank Norris, o que me importa as opiniões deles? Eu contei a verdade (...) O que acontece com os personagens conforme a história progride depende do que descubro sobre eles conforme vou avançando (...) e se você continuar escrevendo, vai perceber que todos os personagens são parcialmente você.”

King fala sobre deixar o manuscrito recém-escrito descansar por umas seis semanas, ler, revisar e reescrever. A segunda versão é a primeira versão menos 10% (como sugeriu um editor em uma carta de recusa durante sua adolescência). Ele também fala sobre termos um Leitor Ideal (no caso dele, sua esposa) e mandar a cópia para seis, oito pessoas e pedir sua opinião sobre o que funciona e o que não funciona na história, antes de fazer a versão final.

“Você não precisa de aulas de escrita ou seminários mais do que precisa deste ou de qualquer livro sobre escrita (...) Você aprende melhor lendo muito e escrevendo muito e as lições mais valiosas são as que você ensina a si mesmo.”
 
* *

Os capítulos finais falam do acidente que quase o matou em 99, atropelado pela van de Bryan Smith, e de sua dolorida recuperação, e de como voltar a escrever o ajudou (“escrever não é a vida, mas às vezes é um jeito de voltar a vida”); também há um capítulo sobre edição e revisão, em que ele mostra como cortar e enxugar frases, citando seu 1408, e uma lista de seus livros favoritos. O que eu não entendo é por que ainda não traduziram esse livro por aqui. Aliás, quando estava quase terminando de ler o livro em inglês, descobri que “Escrever – memórias do ofício” foi traduzido em Portugal. Mas enfim, decidi fazer este mix de resenha e publicar em meu blog errante. On Writing é um grande livro (que esta semana se tornou meu companheiro de mochila no bus), um dos preferidos da casa. Quem escreve tem que ler.