Sem fôlego,
César corre para dentro de casa. Atropelando todos os objetos em seu caminho e
quase despencando pela escada, ele entra em seu quarto. Vai em direção de Mike,
sentado na beirada da cama e o abraça. As lágrimas descem quentes pelo rosto de
César, tatuando a alma. “Desculpe, desculpe”, apertou forte Mike contra o
peito. Choro desesperado, de tremer o corpo todo. De faltar voz, de enlouquecer
alguém. Choro — até quase desmaiar. “Desculpe”, implorou mais de mil vezes.
Ao chegar
na escola, César avista Joana no corredor. Eles se cumprimentam, ela sorri para
ele. Joana olha carinhosa para César e ele lembra do filme que nunca viu. Olhos
de serpente. Ele sorri de volta. César a pega pela mão de forma suave,
convidando. Joana não entende e recusa. “Vem, eu quero te mostrar uma coisa”,
insiste ele. Educado, como sempre foi, como sempre exigiram que ele fosse.
“Quero que tu veja uma coisa”, diz ele. “Que coisa?”, pergunta aos sorrisos.
“Vem”, insiste César, conduzindo Joana pelo corredor até a porta do banheiro
masculino, adentrando. Serena, Joana pergunta a César o que ele queria que ela
visse. “Olha para a parede”, diz ele. Joana fica de costas para César, que lhe
dá uma forte joelhada no pulmão direito, produzindo um ruído seco. A garota quase
desaba sobre o chão. César a agarra pela camiseta, esmurrando seu rosto até ela
se curvar, cuspindo sangue. Ele então agarra a cabeça da colega fortemente
pelos cabelos e bate com ela repetidas vezes contra o concreto, quebrando o
nariz de Joana, abrindo seu supercílio e um talho em seus carnudos lábios.
César vira o corpo da garota, jogando-o violentamente para dentro do boxe. O
barulho das costas dela tentando vencer a parede demonstram que algo foi
quebrado – um alicerce ou uma costela. Com o impacto, o sangue do rosto dela
espirra na parede, decorando o branco opaco de vermelho. César estrangula Joana
sobre o vaso sanitário, olhando em seus olhos. Olhos de vidro nos olhos de
serpente. Ele emite um grunhido, sem alterar sua expressão facial. E solta o corpo.
Joana está morta, espalhada sobre as fezes de alguém que não quis dar a
descarga. César sai caminhando do banheiro, atravessa o pátio e dirige-se até o
portão da escola. Só então começa a correr.
Com a porta
do quarto chaveada às suas costas, ele olha direto para a prateleira. Ao
avistar o pequeno Mike, César avança. Passos rápidos de gigante dentro da
criança que já não era mais. Passa desapercebido da cabeça de tigrinho branco
de pelúcia sem corpo, jogada aos pés da cama, e bate violentamente no rosto de
Mike, virando e agarrando a cabeça, batendo incessantemente com ela contra o
armário. O corpo cai no chão. César aperta o pescoço de Mike com toda a força.
César entra
em casa sem falar com ninguém. Durante o almoço, olha fixo para o prato, o qual
esvazia muito rapidamente, se levantando da mesa em seguida. A mãe pede para
ele ajudar a tirar os pratos, pois ela não pode fazer tudo sozinha. César
pergunta se ela pensa que ele é um inútil e começa a xingá-la. Ela começa a
chorar. Ele se tranca no quarto.
Na hora do
intervalo, Joana está perto do quadro-negro perguntando para César, sentado na
primeira classe, em que circo ele trabalhava, referindo-se à roupa listrada que
o garoto vestia. Metade da turma gargalha. “Mas eu gosto”, ele diz, quase se
desculpando. Mais gargalhadas. Ele fica sério. As piadas proliferam ao redor de
seus ouvidos. Ele começa a rir. Sem graça.
Ele ergue a
cabeça em direção ao canto do quarto, contemplando a sua vítima de todas as
semanas, e completa em sua agenda: “hoje eu dei a centésima surra em Mike.”
César está
cabisbaixo. “Eu queria poder me enterrar nesse concreto”, sussurra ele para o
melhor amigo Francis, que ri cínico e diz a ele com firmeza que foi muito bem
feito a namorada tê-lo traído e abandonado, pois ele tinha sido avisado. César
vira o rosto em direção a Francis, tremendo as mãos. Dentes trincados. Respira
fundo e conta uma, duas, dez vezes. “E não adianta me olhar com essa cara”,
avisa Francis. César volta a encarar o chão.
No dia de
seu aniversário, César encontra seu pai, quase um ano após a última vez em que
se viram. Ganha um orangotango de pelúcia. O pai diz que sente muito não
poderem se falar mais seguidamente e que vai fazer de tudo para reverter essa
situação. Uma mulher o chama, ele se despede apressado. César nada diz e também
se retira, após observar seu pai ir embora com a namorada. Põe-se a caminhar
pela calçada, abraçando vez ou outra seu presente. Batiza-o de Mike.
Às vésperas
de completar dois meses de terapia, o psicólogo finalmente ouve a voz de César.
Ele conta uma história confusa, fala mal de seus amigos. O relógio marca cinco
horas. César se despede do psicólogo com um forte aperto de mão e dirige-se a
até o ônibus que o levaria para casa. Ao chegar, sorridente e falando alto,
encontra sua mãe na cozinha e diz que mal pode esperar até a próxima semana,
naquele mesmo dia. A mãe olha terna para o menino e acaricia seu pequeno rosto.
Diz que seu pai ganhou a liminar que reduz a pensão e que seu tratamento com o
psicólogo seria interrompido.
Na escola,
cada vez mais afastado dos amigos. Em casa, cada vez mais quieto, sobretudo nas
manhãs seguintes ao acordar de uma madrugada de discussões familiares. Reuniões
no colégio, bilhetes frequentes denunciando sua constante falta de atenção nas
aulas. Seu pai acusa César de estar se drogando. Reprovação no final do ano.
Seus pais se separam.
Com raiva,
com muita raiva, ele percorre as paredes de seu quarto com os olhos. Acaba
parando no tigrinho branco em frente aos livros. Caminha até a outra
extremidade do quarto e começa a espancar o boneco.
César tem
sua atenção desviada ao ouvir um dos meninos do outro lado do campinho de
futebol gritar seu nome e não percebe o vizinho que segura seu calção e o
abaixa até os joelhos, trazendo consigo as cuecas. Todas as meninas sentadas no banco apontam
para ele.
É Natal. Na
casa da Tia Elaine, os adultos conversam perto da lareira. Dois casais com taça
de vinho se encontram esparramados sobre o sofá da sala. Às duas horas da
madrugada, quatro horas após o horário normal do toque de recolher, César é a
única criança acordada. Caminha pela casa, ziguezagueando os parentes a sua
volta, trazendo consigo o tigrinho branco de pelúcia recém ganho, até que puxa
seu pai pela mão, interrompendo a conversa com suas tias, apontando para uma
senhora no canto da sala, dizendo que ela era uma velha muito feia.
Constrangido e irritado, seu pai o puxa pelo braço, dizendo que os meninos
educados têm que ser discretos.
Mto bommm...já está impresso na minha pasta dos 10 mais!!!
ResponderExcluirThanx. No próximo café, quero ouvir os comentários..:)
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