Segunda-feira,
30 de janeiro de 2017
23:06
Suspiro.
Estou angustiada. Está para começar a chover. O vento frio vem fazer meus
demônios dançarem frente ao absurdo da vida, como li em um livro hoje.
É
o suficiente para começar a escrever.
Silêncio
aqui no asilo. Primeiros escritos depois que fui transferida para A Casa, o
lugar onde o tempo passa mais devagar, onde a loucura caminha mais lenta do que
na Ala das Grades – mas loucura continua loucura. E ela é sempre linda. Feito
um corte no pulso. Notei que aqui também há algumas garotas da fita preta, e
notei algumas borboletas desenhadas nas folhas que ficam sobre as mesas, tipo
um ateliê para Garotas Com Fendas.
Entendo
minhas iguais.
E
amo elas.
Eu
que nunca pertenci a lugar nenhum encontrei os anjos a minha espera.
Anjos
querendo voltar para casa. Lutando para não voarem pelos muros, para
encontrarem um sentido na dor que deve passar. Um dia de cada vez. Hoje não
vamos nos cortar, hoje vamos desenhar uma borboleta e cuidar dela, como se
disso dependesse nossa vida – até porque depende mesmo.
Essa
maldita história da qual sempre fujo e que me cobra com angústia cada vez que
me afasto dela por muito tempo. Deve fazer quase um mês que não escrevo, e
tenho certeza de que ninguém se importa, porque ninguém jamais vai ler esta
merda. Mas soube de uma artista japonesa que está internada em um lugar
parecido com este há muitos anos, e que precisa continuar pintando para lidar
com seus pensamentos suicidas. Ela é uma artista consagrada, aliás, mas se
parar de pintar, morre.
Sim,
por isso escrevo.
Esses
dias ouvi outra das preleções de Sarah, falando de pulsões e a angústia que não
conseguimos deixar passar. Que passa e volta. Ela falou da depressão pós-parto
e de, ah, lembrei: psicose. E de uma mãe nos Estados Unidos que depois de ter o
quinto filho, matou os outros todos.
Naquele
momento pensei se Maria, a mãe, pode ter feito isso com Clara e Jonas.
Meu
deus, será que já tive alguém?
E
esse alguém morreu?
De
novo o abismo se aproxima.
Ouço
a voz de Peter Steele de novo. Ele também, um garoto com fendas, outro anjo
querendo voltar para o lar. Stay Negative, repito. Ouço o teclado junto, que é
como o soar das trombetas anunciando o fim. E é lindo. Queria tanto encontrar
minha família, meus anjos perdidos querendo voltar para casa, minhas Meninas e
Meninos Com Fendas, e quero pegar nas mãos de todos e caminhar rumo ao paraíso,
por esse caminho de giletes, que sangram e choram, mas acreditam que um dia a
dor vai passar.
E
ela vai fazer um sentido.
Não
sei como termina a história da pequena Clara, e talvez ela não termine. Talvez
as giletes encontrem uma borboleta e uma fita preta com poesia, e um sentido.
Não desistam, meninas lindas. Estamos vivas. Não desistam, meninos lindos, não
hoje. Estamos vivos.
Sei
que vamos encontrar nossa família.
E
a dor vai fazer um sentido.
23:39