#ProjetoBorboleta #ProjetoFitaPreta
2
de julho de 2016
02:23
Estamos
descendo pela madrugada, onde sou a Rainha do Castelo, e ninguém para me
impedir de escrever, de sangrar, chorar, sorrir, voar, porque são verbos irmãos
neste mundo da criação e da loucura, e ninguém vai me impedir. Não agora. Faz
quase um mês que não escrevo, e você que me lê sem que eu saiba, você que só
existe em minha imaginação de péssima escritora, já sabe: não ia mais escrever
nada aqui, e talvez Clara e Maria morressem para sempre, nos confins do meu
inconsciente, naufragando sem vestígios, feito um sonho que acabou antes de
começar.
Alguém
ia sentir falta?
Alguém
ia sentir falta de Maria, a louca que escreve trancada no quarto, voando e
cortando feito giletes literárias no vazio das madrugadas, igual à poesia?
Giletes.
Acho
que elas me fizeram escrever.
Acordei
ontem com uma borboleta desenhada em meu braço, e com o dizer: te amo.
Não
sei como ela veio parar aqui, mas como não sei nem qual é o meu nome inteiro,
nem como vim parar neste lugar, e talvez sim, escreva e escreva e escreva para
inventar uma história, que nem história é, e talvez descobrir uma pegada que se
evaporou no clarão da memória sobre como vim parar aqui... Uma borboleta não é
nenhum terremoto.
Não
comentei com ninguém. Caminhei pelo pátio, pelos corredores. Nada. Até que
comecei a notar alguns olhares das Garotas da Fita Preta. Enquanto eu passava
por algumas garotas, separadas umas das outras, pingadas pelo pátio, com fitas
pretas no braço esquerdo, sobreviventes da ala das Meninas Que Voam Pelo Muros,
e frequentadoras da ala das Meninas Que Se Cortam, vi que algumas me olhavam e
apontavam, discretas, para meus braços. É claro, está frio, e não saí com meus
braços de fora, mas puxei um pouco as mangas porque ali pelo meio do dia
esquentou um pouco e porque, talvez inconscientemente, sei lá, quisesse que a
autora da borboleta se denunciasse. Já sabia do Projeto Fita Preta, mas não
entendi essas borboletas – vi que mais garotas tinham borboletas nos braços –,
se é que elas tinham algum significado, neste asilo onde nada é o que parece
ser.
Até
que alguém disse: Projeto Borboleta. O quê? me assustei.
Uma
garota com a fita preta, morena, magra, de cabelos lisos, talvez recém saída da
adolescência, que eu nunca tinha visto, disse que aquilo era o Projeto
Borboleta.
−
O que é isso? perguntei. Não sei de nada disso, apenas acordei e essa borboleta
estava aí.
Ela
sorriu e me chamou de anjo.
Anjo
é a denominação das Meninas Que Voam Pelos Muros, dos anjos querendo voltar
para casa.
Me
arrepio quando escrevo isso.
E
quase tenho vontade de chorar, mas pode ter sido apenas saudade. Sei que ela me
disse:
−
Sempre que a gente tem vontade de se cortar, desenha uma borboleta no braço. E
não pode deixar essa borboleta morrer; a gente tem que cuidar dela, só pode
deixar ir embora se sair no banho. Às vezes a gente coloca um nome na
borboleta, e oferece para alguém, tipo assim: não me cortei por você.
E
ela puxou a manga para eu ver melhor sua borboleta.
Estava
escrito: Cris.
Quando
escrevo isso, sim: tenho vontade de chorar. Ela me diz que às vezes se cansa de
ser forte, de fingir que está tudo bem, e dá vontade de recair, mas que
conheceu outra garota que colocou suas borboletas em um cartaz. Para cada dia
sem se cortar, uma borboleta.
−
Tem uma garota que está completando um ano aqui. Então talvez eu também
consiga.
−
Um ano sem de cortar?
−
Só por hoje, Maria.
Sei
lá por que pensei em Claudius.
−
Como sabe meu nome?
Ela
sorriu.
−
A gente se conhece só no olhar, anjo.
E
passou a mão pelo meu rosto. Pegou no meu braço, leu a frase e disse:
−Você
é importante para alguém, Maria.
E
sim, tive vontade de chorar de novo.
Me
senti em casa, depois de muito tempo.
Se
eu tivesse uma borboleta, feita por mim, que nome ela teria?
Sorrio.
E
me arrepio quando penso nisso, e sorrio agradecida.
Uma
borboleta.
Linda,
a mais linda de todas as borboletas deste lugar. Vou cuidar dela e não, não vou
deixar ela morrer. Um dia de cada vez. Uma borboleta linda.
Com
o nome de Clara.
02:55
Nenhum comentário:
Postar um comentário