Quarta-feira,
7 de setembro
01:48
Uma
nova madrugada começa. Do lado de fora destes muros, é Dia da Independência. O
Garoto Skinner me disse que se estivesse lá, estaria nas passeatas de protesto
contra o governo que deu o golpe. Ele já foi um revolucionário. Não sei por que
veio parar aqui. Sei que hoje me falaram que começou o Setembro Amarelo, que é
o mês da prevenção e conscientização em relação ao suicídio.
Cris
me falou de novo em querer voar pelos muros.
Andei
pelo asilo hoje. Passei pelas grades e braços atravessaram elas para me
encontrar. Braços que me tratam como irmã. Braços que querem uma irmã. Estou
cansada, mas por algum motivo voltei a escrever, esta historiazinha que nunca
chega a lugar nenhum.
Houve
um incêndio, pareço ouvir Sabby dizer.
Não
sei como o Garoto Skinner veio parar aqui, muito menos eu. Quer dizer, Sarah
diria que sei, mas não sei que sei, ou não quero saber que sei. Esses
psicanalistas e seus labirintos que também nunca chegam a lugar nenhum.
Nunca
chegam na pequena Clara. Aquela garotinha que não sei se é um fantasma, se
cresceu, se é um delírio de minha mente febril.
Mas
ainda dói.
Ainda
sinto faltas.
Por
isso escrevo.
Sem
ter o que escrever, escrevo. Porque quero chegar. Quero sair.
Quero
voltar para casa.
Bingo,
Sarah.
Suspiro.
Esta história é mais lacunas do que história. Mas nos espaços que não consigo
cimentar está o mistério da Mitologia de Maria: quem sou eu dentro da história
que invento? Se é que invento, e invento a partir de que lugar? Não importa que
estas frases, todas elas, são uma merda – ninguém jamais vai ler isto aqui.
Mas
gostei da ideia deste Setembro Amarelo. Um mês pensando nas Garotas Que Voam
Pelos Muros e nas Garotas Que Se Cortam, porque sei que elas têm uma ligação
forte. Elas não querem morrer, apenas matar a dor. Matar a dor é uma boa ideia
para as 2 da madrugada. Mas nem sei se isso que sinto é dor, ou apenas a falta,
o querer estar, querer ficar, querer voltar.
Faz
um tempo que não penso em Claudius. Nem Lara. Nem Jonas, o irmão de Clara que
sofreu um acidente. Foi no incêndio? Foi um tiro que era para ter sido em
Claudius disparado por Maria, a mãe, e que pegou nele por acidente? Eu não sei.
As coisas vão vindo aos poucos da floresta do meu inconsciente – pelo menos é
isso que Sarah acredita. Apenas escreva, me conte uma história, disse ela. Que
história? Invente uma, conte uma história, qualquer história.
Um
homem, uma mulher, uma criança, outra criança, uma tia, um filho não assumido.
Homem bate na mulher, abusa da criança, come a cunhada, tem um filho não
assumido. Homem volta a beber depois de dez anos em abstinência, mulher é
internada em hospitais, criança chora escondida, cunhada-gostosinha-putinha se
diverte com o papai, Dr. Cidadão Respeitável. Filho não assumido tenta defender
criança do papai que queria obrigar ela a beber. Houve um tiro, houve um
incêndio. Criança se corta. Mamãe se corta também? Não sei. Mamãe toca piano
para criança.
Essa
é minha parte preferida desta história.
Mamãe
toca piano para criança, um piano preto lindo sobre um tapete em uma sala de
estar enorme onde também ficava a árvore de Natal gigante com os papais noéis
de chocolate. Crianças corriam sob a árvore procurando os papais noéis,
crianças sujas de chocolate, crianças felizes.
Talvez
esta história não seja uma desgraça completa.
No
fim de tudo, afinal: haverá esperança.
E
ninguém vai morrer neste setembro, meninas lindas. Meu coração está com vocês.
Estejam comigo, a Maria que conduzirá as Meninas Com Fendas pela travessia até
o outro lado.
Não,
garotas. Ninguém vai morrer neste setembro.
E
pelo menos por hoje, isso me deixa feliz.
02:15
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