Domingo,
25 de setembro de 2016
20:23
Sarah
me emprestou um livro que fala sobre o acompanhamento terapêutico de pacientes
psicóticos e sobre estarem mais preocupados em “manter a ‘ecologia mental’ do
paciente, aproveitando seus recursos e sua capacidade criativa”. Tive vontade
de escrever quando li isso, certo de que ela, como todos os psicanalistas, está
deixando suas migalhas de pão para a Maria aqui encontrar o caminho de volta
para casa.
Neste
momento, tenho vontade de chorar.
Mas
não foi por isso que comecei a escrever. Ou talvez tenha sido, no fundo escrevo
por isso, Maria escreve e não chora, Maria escreve e não se corta, Maria
escreve e não voa pelos muros – neste Setembro Amarelo, o mês das Meninas Que
Voam Pelos Muros, para quem no fundo acho que escrevo.
Comecei
a escrever porque ouvi o piano.
E
pensei: e se tudo isso for um sonho?
Um
arrepio passa pelos meus braços com algumas cicatrizes e queimaduras. Será que
é por isso que escrevo tudo o que escrevo? Que esta maldita história me chama e
me chama, por mais que tente fugir dela? Escrever para não morrer, escrever
para não voar pelo muros, escrever para não me cortar?
E
então que tive um sonho, que nem sei se é sonho, porque não sei mais o que é
sonho ou realidade – tudo é realidade, em algum nível, em algum tempo, em algum
lugar.
Tudo
o que escrevo é verdade. Cada palavra, sangrada uma a uma. Lindas feito um
corte no pulso.
Lindas
feito as teclas do piano, que voltei a ouvir, depois de tanto tempo. Lindamente
triste ou tristemente lindo.
O
piano que deve seguir.
Maria
que deve continuar.
E
no meu sonho, Claudius estava tomando café da manhã com Maria, a mãe. Estavam
sorrindo. Estavam leves. Feito uma manhã de domingo, pensei. Maria preparou o
café para a pequena Clara e Jonas. Eles também estavam leves, com ares de
inocência infantil. Não havia pecado, não havia dor. Não havia o fim do domingo.
A tia Lara estava junto, sorrindo com o pequeno Marcos. Não havia flerte entre
ela e Claudius. Maria, a mãe, estava feliz. Clara também. Pode ser um comercial
de margarina, como sempre acreditei que existiam. E talvez existam. Hoje
existe.
Foda-se,
é o meu sonho, a minha história. O meu comercial. Não diga que não é possível.
Vá para o inferno com seu princípio de realidade.
Não
havia dor. Talvez Maria, a mãe, tenha tocado piano mais tarde. Talvez ela tenha
tocado na noite anterior. Talvez ela tocasse todos os dias, como ouvi dizer que
os grandes artistas fazem – todos os dias.
Claudius
não estava bebendo.
Talvez
ele nunca tivesse bebido.
Não
haveria o que destruir depois. Não haveria incêndio, não haveria dor, nem um
piano que se quebrou ao meio. E se tudo isso for um sonho, pensei de novo. O
piano ainda soa pelos vazios daquela cozinha, vindo de longe, como um sonho
bom. De novo me arrepio. Ainda não entendo esta mágica que me faz escrever,
tirar essas palavras não sei de onde, jamais sei de onde, e lá pelo meio do
parágrafo algo acontece.
Talvez
eu tire essas palavras do sonho.
Esse
livro fala em coisas que os psicóticos não conseguiram realizar, uma realidade
esburacada, e precisaram criar algo para suprir esse não poder, querer e não
poder.
Sou
a Rainha Todo-poderosa do Castelo quando escrevo. Mesmo que jamais leiam aquilo
que escrevo aqui – embora, confesso, intuo que é impossível eu não ser lida,
talvez todo mundo me leia e eu acho que não. E, na verdade, acho que ainda não
escrevi o que queria escrever.
O
abismo se aproxima de novo.
Sarah
sabe como termina esta história. Mas ela não vai me contar. Psicanalistas do
inferno. Preciso chegar ao fim disto. E enquanto o piano tocar, devo seguir escrevendo.
Algumas
das garotas, como sempre, se sumiram, foram para outras alas, mas neste mês das
Meninas Que Voam Pelos Muros, queria dizer que descobri isso: escrevo para não
me cortar, escrevo para não morrer, escrevo para dar um sentido para a dor.
Escrevo
porque tenho um sonho.
E
sei que vocês também têm, meninas lindas. Cada uma de vocês, e não podemos
desistir por ele. Cada palavra, um corte a menos. Quanto mais escrevermos,
menos vamos querer voar pelos muros. Escrevam, meus amores. Não quero que outras
pessoas me leiam – mas por vocês, eu até espalho essas palavras pelo mundo
afora.
Temos
um sonho. Por isso estamos vivas. O piano continua, com as teclas trazendo
esperança e um sentido para todas nós. Escrevam, anjos lindos. Escrevam que o
céu vai ter que esperar. Hoje ninguém vai morrer.
E
podemos até pensar numa família de comercial de margarina e nossa volta ao lar.
Acolhedor
como um domingo de primavera.
20:57
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