quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Piano Para Pequena Clara – Dia 212


Quinta-feira, 3 de agosto de 2017

22:21

Dois meses sem escrever esta merda de história, minhas bobagens inúteis que jamais serão lidas. A coisinha de Brownie continua me cansando, e agora sou a Maria Cansada, que aos poucos vai se tornando a Maria Em Slow Motion. Será que foi por isso que não escrevi mais?

Não sei, e não importa. O caso é que não estou mais na Casa, nem na Ala das Meninas Que Voam Pelos Muros, ou na Ala das Meninas Que Se Cortam. Nem no Corredor Eterno. Mas continuo escrevendo esta História Eterna que, acho, nunca vai chegar a lugar algum.

Acho, mas existe uma pontinha de medo, que no fundo é esperança, de que sim, ela termine. E no fim de tudo haverá amor.

Meu deus, não sei se o que passa pelos meus braços e pernas agora é a coisinha desmielinizante que habita em mim, ou apenas saudade. O piano que me traz de volta, que não me deixa desistir, que insiste que eu continue escrevendo e escrevendo, esticando as frases feito um cérebro que cansa mais que os outros, mas que mesmo assim não desiste.

Sarah, a psicanalista perturbada deste Asilo Infinito, perturbada como todos os adoradores do velho tarado, diria que tenho pulsão de vida.

Maria Com Pulsão de Vida.

Que ouve um piano em sua mente, que pode ser alucinação, doce como um corte no pulso.
Mas pode ser saudades, com cheiro de infância feito um brownie.

Saudades com cheiro de infância.

Me arrepio quando escrevo isso.

O abismo se aproxima.

Dois meses sem escrever esta merda, achando que conseguirei fugir dele, mas ele sempre me encontra.

Então tenho aquele medinho, que no fundo é esperança, ou esperança que no fundo é medo, de que – tenho sim medo de escrever o que vou escrever agora – a resposta de como termina a história da pequena Clara esteja enterrada dentro de mim.

Quero fugir desse lugar, e talvez por isso odeie escrever esta merda de história. Queria esquecer, mas esqueço que esqueci, e aquele lugar aos poucos vai vendo a luz do dia.

Sarah diria que isso é o retorno do recalcado.

Tenho que parar de escrever este texto, minha bexiga está estourando, mais um probleminha que a coisinha de Brownie me legou.

Mas ninguém vai se importar se eu parar para ir ao banheiro, como ninguém jamais se importou.

Cada palavra que escrevo aqui, suspeito, tem um significado maior do que consigo ver. Sarah ia adorar isso.

Tenho quase certeza de que ela sabe como termina a história da pequena Clara, e quem sou eu dentro da Mitologia de Maria. Mas ela não vai me contar. Malditos psicanalistas. Ela quer me ver chegar ao fim disso. Partindo do princípio que haja um fim, porque em um dos textos sobre o qual ela falou em uma de suas aulas havia a temática da errância na psicose, que é como este texto que não chega a lugar algum, não se apoia sobre nada. Mas há marquinhas, como as marquinhas na psicose.

Então sou Maria, a louca.

Mas houve Claudius, papai abusador e médico alcoólatra que voltou a beber depois dez anos em abstinência, quando fez um brinde nos seios de Lara, a titia gostosinha putinha que ficava se refestelando para o cunhado, que deveria ter ficado com a esposa Maria, a mãe, internada em um hospital no dia de réveillon – sim, o mesmo réveillon em que o Doutor Abusador voltou a beber, e não se contentando com a cunhadinha, quis namorar sua filhinha Clara.

Maldito seja. Se há alguma justiça no céu, ou no inferno, espero que ele esteja queimando.

Lento como uma esclerose.

Sinto cortes no espírito ao escrever isso. Mas eu disse que talvez no fim haja amor, então preciso continuar escrevendo.

Ainda houve o filho Jonas, que era muito calado, acho que em decorrência de um trauma. Talvez ter visto mamãe dar um tiro no papai, pensei agora. Maria deu um tiro em Claudius. Isso faz sentido. Ela quis defender Clara, ou defender a si mesma, já que Claudius batia nela. Mas havia também Marcos, filho não assumido de Lara com Claudius, e que todos acreditavam sem pai. Marcos tentou defender Clara de Claudius. Ele bebeu no lugar dela, quando Claudius de um gole de não sei o quê, talvez fosse vodka, para a pequena Clara, que na época devia ter cinco anos.

De onde tiro essas coisas, eu, péssima escritora?

Talvez no dia em que descobrir isso, descubra como termina esta história.

E descubra também como estas queimaduras vieram parar em meus braços.

Mas não quero falar do incêndio, porque a coisinha me cansa, meus braços e dedos e o espírito cansam. A vida me cansa, mas ainda não desisti dela.

Suspiro. O piano continua tocando dentro de mim.

Lento. Mas continua tocando.

E enquanto ele continuar tocando, continuarei a escrever e enquanto continuar escrevendo e esticando frases e parágrafos para longe da dor que deve partir, e deve fazer um sentido para que as outras Marias não desistam antes do parágrafo terminar, haverá vida, porque além do parágrafo existe vida. Existe pulsão.

E lá está o amor que procuro e com o qual sonho toda noite.

E sei que ele virá para mim, assim como virá para minhas irmãs neste Asilo Infinito.

O piano vai baixando, o piano que me acalenta.

O piano que dá sentido a tudo.

Então, sim: no fim de tudo haverá amor.

22:59

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