6 de agosto de 2014
Eu tive um sonho hoje.
Ou ontem, não importa, como na história de Camus.
Estava em frente a uma sala de aula e todas as pessoas que
ficam aqui – esses zumbis que vez em quando povoam as coisas que escrevo
fechada neste quarto – e Sarah, que vai adorar quando eu contar isso a ela, se
eu contar, estava ao lado. E ela disse que eu estava escrevendo uma história,
que eu escrevia muito bem. Muito bem, foi o que ela disse. As garotas pediram
para eu contar.
Só pode ter sido um sonho.
Eu expliquei, ou acho que expliquei, sobre o que é a
história de Clara. Clara, abusada por Claudius, que espancava Maria e comia
Lara. Algumas pessoas acharam confuso, e talvez eu tenha falado mais detalhes
do que “Clara, abusada por Claudius, que espancava Maria e comia Lara”, mas é
isso o que me lembro agora. Esqueci de falar dos irmãos Jonas e Marcos, um
assumido, o outro não.
Que droga, esqueci de colocar a hora. Faz alguns minutos que
estou escrevendo. Agora são 9 e 58 da noite. Isso também não importa. Estou
cansada. Com fome. Mas estou escrevendo. Sangrando, talvez. Você diz que viajo
para dentro do inconsciente e você se enxerga no que escrevo. Você na minha
história. Você, de quem sinto falta. Você, cujo rosto não lembro. Merda, nem
seu nome recordo.
Assim como o meu.
Maria o que mesmo?
Maria. Odiava meu primeiro nome. Sarah descobriu isso e me
manipulou para escrever esta história de merda que nasce sei lá de onde. A cada
noite. Sempre de noite. Está frio lá fora. Queria dormir e esquecer. Mas
preciso lembrar.
Sei que no fim daquilo que imagino ser uma palestra, para a
aula lotada, ou um pequeno auditório, talvez em meu delírio eu fosse uma
escritora famosa, minhas colegas de asilo me aplaudiram. Disseram que querem
ler o livro com a história de Clara. Eu agradeci.
E acordei.
Jamais vou mostrar esta merda de história para ninguém.
Primeiro, porque é uma merda, horrivelmente mal escrita. Uma historinha chata
escrita pela Louca Que Escreve Trancada No Quarto.
E segundo porque... Sei que parece idiota, mas não lembro o
outro motivo. Deve ter a ver comigo. Meu deus, posso ouvir o piano tocando. Me
arrepio. Tenho vontade de chorar.
Estou com fome e tenho que escrever até o fim. Tipo uma catarse. Esses psicanalistas e suas loucuras.
Estou com fome e tenho que escrever até o fim. Tipo uma catarse. Esses psicanalistas e suas loucuras.
Mas consigo lembrar, ó meu deus, consigo criar aquela cena
que não sai da minha mente, que me atormenta e me conforta: Maria, a mãe mais
linda do mundo, tocando o piano como se não houvesse nada no mundo – e não
havia mesmo – além daquela princesa sentada ou deitada, ouvindo os acordes. A
melodia triste que contava uma história. A história que não consigo escrever. A
partitura suja de sangue. E de esperma, maldito seja, Claudius.
No próximo domingo é Dia dos Pais. Sei lá se tem a ver, mas
lembrei disso agora.
Filho da puta. Não se contentou com um cartão. Teve que usar
sua bonequinha Clara. Sua bonequinha linda recheada de dor.
Não sei mais o que escrever. Jamais soube, desde a primeira
linha neste inferno. Mas para algum lugar as frases vão. E de algum lugar elas
vêm.
Seria do inconsciente? Esta floresta inóspita que me dita o
que devo escrever?
Talvez se eu cavar mais fundo, e é isso que não quero fazer,
ou tenho medo de fazer, eu chegue até Clara. Até Maria, a mãe.
Perdidas dentro de mim.
22:14
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