Sexta-feira, 14
de agosto de 2015
20:48
Hoje o Garoto
Skinner olhou pela janela, pela janela de onde às vezes vislumbro o mundo além
destes muros, não a janela do meu quarto-cela, mas uma janela perto do
corredor, e disse: vai chover. Vai chover e vai voltar o frio. E você sabe o
que isso significa?
E sorriu para
mim.
Sorri de volta.
Chove, Maria
escreve. Mas a chuva não veio, nem o frio. Talvez se eu me entocar aqui algo
aconteça, talvez daqui a algumas frases. Não tenho nada para escrever, mas algo
virá.
Além da chuva.
Além da dor.
Que é a mesma de
todas nós, garotas com fendas.
Você, seja lá
quem for que me lê quando durmo, quando sonho, quando tenho pesadelos ou apenas
cochilo, ainda está aí?
Não há ninguém
aí. Ninguém jamais vai ler esta merda. Esta história que nem história é, nem
jamais será.
O caso é que
encontrei uma garota aqui. Ela é branca, bem branca, mais branca que Sabby, com
pintinhas vermelhas pelo rosto e pelo corpo. Ela tem cabelos longos ruivos e
usa óculos. Ela me disse, e acho que foi a primeira vez que nos falamos, embora
já tenha visto ela caminhando pelos corredores, eu sei que você escreve, Maria.
Se algum dia eu virar um personagem da sua história, porque é isso que imagino
que você faça quando se tranca no quarto, não faça de mim muito louca.
Ela falava com
as mãos.
Notei que ela era
saudavelmente maluca. Bem, talvez não tão saudável porque ainda ache que é
normal.
Achei ela com
cara de Antônia. Eu que batizo pessoas sei lá como, mas como escrevo o que quiser
e chamo as pessoas do nome que eu quiser, digo que ela tem cara de Antônia.
E Antônia,
recém-batizada, também pinta.
O que confirma a
minha teoria de que ela é louca.
Os bons são
loucos.
Lembrei na hora
de Dafne, que me disse que anda pintando, mas que acho que só quer saber de
romance com seu maluquinho, assim como Lady Ballet, ainda correndo para ficar
bonita para seu doidinho, já que, como lembrou o Garoto Skinner, loucos se
entendem e se amam.
Loucas elas.
Loucas e lindas.
Lindas em sua loucura.
Sei que Sarah
voltou a dar aulas e deixou um texto para quem quisesse ler. Tenho certeza
absoluta que psicólogos são doidos de pedra, mas os psicanalistas estão no topo
da cadeia alimentar da loucura.
É um texto de
uma tal Melanie. Acho que Sarah vai dar um tempo do velho tarado. Quer dizer,
muda o louco, mas não a loucura.
De qualquer
forma, é sexta-feira de noite e acho que tem algumas pessoas vindo morar
comigo, neste asilo lindo e familiar. Sonhei um sonho louco, ou pode ter sido
apenas alucinação, que eu estava em um programa de rádio falando sobre a
história de Clara.
Suspiro.
Sempre fujo, mas
esse nome acaba me encontrando. É tudo sobre aquela garotinha, a criança sem
infância, e tudo que faço é escrever e escrever para tentar lembrar o que me
trouxe aqui, a Maria Que Escreve Para Lembrar, que talvez no fundo não queira
lembrar.
Porque dói
lembrar.
Mas esse afeto
está lá, perdido dentro de mim.
De novo, o velho
tarado e as bizarrices de Sarah.
Clara, que se
perdeu por aí. Clara que não consigo encontrar.
Dentro de mim.
A menina mais
linda do mundo, a princesa das princesas.
De novo tenho
vontade de chorar.
Penso em Maria,
a mãe. A mãe que não estava lá, talvez porque não pudesse estar, porque estava
internada no hospital, e a titia putinha que não cuidou da sobrinha para cuidar
do cunhado médico-alcoólatra-abusador, e nenhum dos dois cuidou de Jonas, nem
de Marcos, e ainda não sei como eles ficaram nesta história. Não me vem a mente
Jonas e Marcos.
Jonas era irmão
de Clara, filho de Claudius. E Maria, a mãe.
Marcos era filho
de Lara. E de Claudius também.
Acho que foi
Marcos quem defendeu Clara de Claudius.
Ele devia ser um
bom primo, embora talvez cuidasse dela porque era também seu meio-irmão. Será
que ele sabia? Será que ele defendeu Clara apenas por um sentimento de família
que ele ainda não conseguia entender, por um sangue que corria em suas veias,
que era o mesmo sangue dela, e que ambos não entendiam, mas talvez sentissem?
Houve amor, no
fim de tudo.
Ainda haverá
amor, no fim de tudo.
Por isso
escrevo.
Para encontrar
esse amor que se quebrou no meio.
Mas ainda está
lá. Perdido.
Perdido dentro
de mim.
Obrigado, Garoto
Skinner. Obrigado, Antônia. Obrigado Daf, Lady Ballet.
Obrigado, Cris.
No fim de tudo,
haverá amor.
21:16
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