Segunda-feira, 7 de setembro de 2015
00:22
Uma
nova madrugada começa. Já tinha decidido, mais uma vez, oficialmente abandonar
esta historiazinha. Esta história de merda. Eu que nunca soube escrever, que
jamais tive o que escrever. Mas a memória do piano me trouxe de volta. A este
quarto, a esta madrugada. Cris dorme às minhas costas. Preciso escrever, disse
a ela. Ainda perguntei se ela queria que eu escrevesse algo de especial, talvez
para me deixar em paz e eu pudesse escrever.
−
Escreve aí que eu amo você.
Olhei
para trás e ela estava de olhos fechados.
Não
sei se ela estava dormindo quando falou aquilo.
Sorri,
apenas. Não vou parar de escrever para pensar no significado disso.
Cris
me ama.
Maria
que é amada.
É
um bom começo de madrugada.
Silêncio
neste asilo. Nenhum movimento no pátio lá embaixo, nem em volta do chafariz,
nem no riacho lá distante. Nenhum movimento na praça onde a pequena Clara
brincava. O único som que ouço, e só eu ouço neste lugar habitado por zumbis,
por garotas com fendas, por gente louca e linda, é o piano. Maria, a mãe,
tocando para a pequena Clara. O piano que me faz voltar a essa história.
E
hoje penso que talvez Maria não tocasse apenas para Clara.
Talvez
Jonas estivesse junto.
Jonas,
irmão de Clara, sobre quem nunca escrevo.
Talvez
Marcos fosse mais rebelde, mais irritadiço, foi ele quem defendeu Clara de
Claudius e bebeu no lugar dela, quando o tio (e pai, embora o tio não assumisse
que também era pai) quis que Clara também bebesse. Dr. Abusador &
Alcoólatra.
Mas
penso em Jonas. Ela era mais quieto. Hoje pensei que talvez ele tivesse um
problema. Como dizem? Um certo retardo. Que palavra horrível. Por que Jonas era
quieto? Autista? Problemas no parto? Será que Claudius bateu nele e ele ficou
assim?
Dr.
Maldito Filho da Puta.
Não
sei, mas Jonas, pelo menos o Jonas que imagino hoje, o Jonas que também ouvia o
piano de Maria, era um bom irmão (será que pensei nisso porque ontem foi dia do
irmão?). Talvez Clara amasse ele. Se é que ela entendia o que era amar e ser
amada. Talvez, de alguma forma, entendesse.
Pelo
menos neste começo de madrugada, eu queria que eles três entendessem: Maria
tocando o piano sobre um tapete gigante na sala dedicada a isso, a sala do
piano, mãe tocando para seus filhos, Jonas e Clara. Nunca sei qual deles era o
mais velho. Jonas era o mais quieto, pensei hoje. Por quê? O piano continua em
minha mente. Triste e lindo, como desde o começo. Lindamente triste.
Sangrando
e cicatrizando.
Mas
talvez sorrindo também.
Jonas
que talvez não soubesse o que era o amor, mas talvez sentisse. Maria, a mãe
mais linda do mundo. Havia amor suficiente para todos. Todos, não sei. Clara e
Jonas. E talvez Marcos, quando viesse visitar a família, mas que talvez já
estivesse morando com eles, quando titio-papai-médico brincasse de médico com
mamãe-titia-putinha, enquanto Maria, a melhor pianista do universo, deste e de
outros mundos, estava ausente. Internada em lugares... como este onde estou,
pensei agora.
Não
importa. Talvez não haja dor no piano. Não na cena que tento capturar, naquela
casa que não consigo descrever. Apenas a sala do piano. Talvez algumas escadas,
imagino que uma casa grande, talvez uma casa que tenha pegado fogo, que é –
volto a pensar – o fim desta história.
Um
incêndio que consumiu a todos.
O
fim de tudo.
Mas
não sei se foi em uma casa ou um apartamento.
Talvez
em uma cozinha.
Não
quero falar disso agora.
Quero
ir dormir pelo menos um pouco em paz.
Sim,
o abismo se aproxima de novo.
Mas
não vou pular hoje. Ainda não é hora.
E
se posso parar o tempo, e talvez possa, porque aqui em meu castelo posso tudo,
eu queria esta pintura, plasmar um momento no tempo. O piano que ligou os três,
mãe e filhos.
Um
momento de amor em família.
00:49
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