Quinta-feira,
24 de setembro de 2015
21:44
Chove,
choveu tanto, chove todos os dias.
Não
agora, mas choveu hoje.
E
ela veio pelo corredor e me segurou pela mão enquanto eu olhava pela janela.
Virei para o lado, assustada.
−
Pensei em voltar a dançar. A fazer os passos que eu fazia. Se a Brownie pode
sonhar em caminhar, eu também posso sonhar com minha poesia.
Era
Lady Ballet. Ela estava com ar diferente, talvez porque ande enamorada, mas
acho que era algo mais. Notei um fundo de melancolia, o mesmo que noto em todas
nós, garotas com fendas, e ela apontou para a chuva.
Tive
vontade de chorar.
E
por isso mesmo, sorri.
Entendi
naquele momento que ela estava esperando eu vir para minha cela e escrever.
Sangrando, sorrindo, dançando, amando, odiando e tudo mais que viesse pelo
caminho, porque cada vez que escrevo vêm mares revoltos – mas que às vezes
acabam em lagoas tranquilas.
Prometi
a ela que iria escrever hoje, porque estava chovendo, e quando chove, sabemos,
cúmplices: escrevo. A Garota Cheshire também é minha cúmplice. Mesmo que não a
tenha visto ultimamente, e nem sei se ela ainda está neste asilo, porque
personagens entram e saem daqui, de mim, de todas nós, mas cada vez que olho
para o chafariz lá embaixo lembro da garota que é mais sorriso do que garota, a
risada que é a própria encarnação da loucura e da beleza que ronda por esses
corredores.
Então
sei que tenho que escrever.
Não
só por isso, mas também porque a dor voltou. Ou Dor, maiúscula de respeito. Ela
volta cada vez que paro de escrever esta história que corre atrás do próprio
rabo.
Que
procuro a pequena Lady Clara.
E
não encontro.
Mas
sei que ela está lá. Estamos todas, perdidas dentro de mim, e isso pode
significar flertar com a loucura neste lugar onde somos todas...
Normais.
Sei
que Sarah falou em um tal Winnicott, um papo muito louco de falso self e
verdadeiro self, que é mais ou menos assim: sou eu, mas não sou eu. Ou não sou
eu, mas sou eu. Talvez nessa frase que escrevi assim sem pensar, como tudo o
mais nestas palavras que ninguém lerá, esteja o coração de tudo que procuro. A
resposta daquela família de dores, abusos e alguns amores que acabaram se
perdendo. Maria, a mãe, Clara, Jonas, o irmão que era considerado estranho,
muito quieto. Seria ele autista? Teria ele ficado assim depois de uma ou várias
surras de Claudius, Dr. Filho Da Puta? Dr. Abusador, Dr. Maldito Seja, Dr.
Queime No Inferno?
Sou
eu, mas não sou eu.
Não
sou eu, mas sou eu. Talvez esteja aí o coração desta história de merda.
Balanço
a cabeça, mas ela não está doendo, não agora. Sou a rainha todo-poderosa no
alto de meu castelo. No reino das meninas com fendas.
Lindas
e doídas.
Sei
que esse Winnicott também falava de uma mãe suficientemente boa. É claro que
quando ouvi Sarah falando isso, provavelmente mais uma de suas charadas
psicanalíticas, pensei, porque isso ainda me faz revirar na cama de madrugada:
Maria, a mãe, foi suficientemente boa?
Ó,
Maria você foi?
Será
que a melhor mãe do mundo foi suficientemente boa?
Será
que ela poderia ter parado o que aconteceu com Clara? Com Jonas, que também era
seu filho? Suspiro.
Maria,
mãe suficientemente boa. Sou eu, mas não sou eu. Talvez aí esteja a chave. Algo
está para acontecer. Hoje quando parou a chuva, fiquei olhando aquele céu
cinza, branco, sem cor, lindo, feito uma explosão nuclear. Talvez essa história
termine em um dia de chuva. Talvez em um incêndio. Talvez, ó meu deus, em um
incêndio e um dia de chuva.
A
luz que nos cegou a todas.
Mas
não importa. Suspiro uma vez mais. A dor está indo embora. O texto, cujo
sentido jamais descubro, vai se mostrando para mim. Para você, que talvez me
leia quando durmo ou me distraio.
Maria,
mãe suficiente boa.
Obrigado,
Sarah.
22:09
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