1
de dezembro de 2015
21:25
A
rainha perdida no alto do castelo volta à vida. Anoitece. Silêncio no asilo.
Não tenho a menor ideia do que vou escrever – ninguém vai ler esta merda mesmo,
para que se preocupar? Mas queria registrar que Cris saiu da ala das Meninas
Que Voam Pelos Muros. Um dos médicos disse que não gosta da palavra “cura”,
acho que mais ou menos como diziam – pelo menos vou escrever o que meu
inconsciente dita neste instante – naqueles grupos que Claudius ia, que talvez
a pequena Clara tenha ido, talvez Maria, a mãe, que sofria junto vendo o Sr.
Doutor tomando uns traguinhos – mas ele não bebia. Ele voltou a beber depois de
dez anos quando, em vez de cuidar de Maria, a mãe, internada em um hospital –
parecido com este lugar onde estou, não posso deixar de mencionar – estava se
divertindo com a cunhadinha jovenzinha, titia putinha que deveria ter cuidado
da sobrinha. Lara.
Suspiro.
Sempre
volto ao mesmo assunto: a pequena Clara. Sua mãe. Maria.
Maria,
como eu.
Internada
em um hospital. Como a doce Cris, que ficou na ala das Meninas Que Voam Pelos
Muros.
Maria,
a mãe, tentou se matar?
Meu
deus, nunca tinha pensado nisso.
Será
que foi isso que aconteceu naquele réveillon?
A
pequena Clara também?
Sim,
Lady Clara tentou. Meu deus, a coisa está voltando. Todos morrem no fim?
Como
vim parar neste fim de mundo?
De
novo, me volta o medo de enlouquecer.
O
que soa irônico vindo de alguém neste fim de mundo.
Suspiro
de novo.
Ouvi
pelos corredores que Sarah está meio doente. Ela não ministrou a aula hoje.
Fiquei na dúvida com aquele Lacan (quando acho que ela não pode vir com nada
mais insano que o velho tarado, ela sempre dá um jeito de se superar), mas acho
que ele falava em estádios do espelho, tipo assim: Clara vê outra Clara, Clara percebe
que vê uma imagem de Clara, Clara percebe que vê a própria Clara. Mais ou menos
assim. Quem diria, essas loucuras andam me contaminando, como se fosse possível
piorar em um lugar desses.
Maria
Psicanalista.
Meu
deus, onde nós vamos parar?
Sei
que Sarah, antes de adoecer, tinha liberado Cris para vir me ver. Aliás, talvez
ela venha aqui daqui a pouco. Não entendi bem por quê, e se há mesmo um motivo
(deve haver, esses psicanalistas do demônio não dão ponto sem nó), mas Sarah
permite algumas regalias entre Cris e eu, tipo, visitas no quarto depois do
horário permitido, jantar mais tarde, depois do horário oficial.
A
história que não compreendo está se desenhando e ainda não consigo decifrar.
Penso
em Lady Ballet, a pequena Daf. Tanta gente que entra e sai daqui e tenho dúvidas
se elas existem ou são apenas frutos da minha imaginação, como talvez tudo o
que escrevo trancada aqui. Dafne e sua novidade – estaria ela pintando como
disse que ia fazer? Lembro que uma vez a Ballet falou em recaída, não sei por
que lembrei disso agora. Todas temos coisas que queremos jogar fora, pensei
agora. Coisas que entraram e devem sair. Vomitando ou escrevendo, que no fundo
são a mesma coisa.
O
Garoto Skinner.
Cheshire,
que não vi mais em volta do chafariz, junto com Blossom e seu caderninho.
Acácia, correndo de um lugar para outro.
Vou
escrevendo e essa coisa que não consigo nomear – que pode ser dor, vazio, vida
ou esperança – vai se ajeitando feito as melancias da carroça. Acho que é por
isso que escrevo. Ainda não entendo qual a mágica que acontece que me faz
cuspir, digo, vomitar essas palavras do de dentro de mim – e no fim algo
acontece. Que pode ser uma luz, esperança, um sentido.
Um
amor de mãe a espera de que sua pequena princesa volte.
Tenho
vontade de chorar.
Mas
sorrio.
Tudo
é sobre ela. Sobre o piano. Sobre a chuva. Sobre o alto do castelo. O jardim, o
chafariz. Um amor de mãe que jamais esquece a filha. Jamais abandona a filha.
Jamais
abandona.
E
resgata sua princesa das profundezas do pântano.
Uma
mãe jamais abandona, jamais esquece.
Maria,
mamãe linda.
Pequena
Sweet Lady Clara.
Não
sei mais o que escrever, mas sinto que cheguei mais perto hoje.
Um
pouco mais perto.
De
resgatar uma princesa.
21:55
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