“Em toda entrevista me perguntam qual a qualidade mais
importante que um romancista deve ter. Isso é bem óbvio: talento. Não interessa
quanto entusiasmo e empenho você põe em escrever, se for totalmente destituído
de talento literário, pode esquecer a ocupação de romancista. Isso é mais um
pré-requisito que uma qualidade necessária (...).
Se me perguntarem qual a segunda qualidade mais importante
para um romancista, essa também é fácil: concentração – a habilidade de focar
todos os seus limitados talentos no que for mais crucial no momento. Sem isso
não se pode realizar nada de valor, ao passo que, se você for capaz de se
concentrar eficientemente, conseguirá compensar um talento errático ou até a
falta de talento. Eu geralmente paro para escrever de três a quatro horas todas
as manhãs. Sento em minha mesa e me concentro totalmente no que estou
escrevendo. Não olho para mais nada, não penso em mais nada. Mesmo um romancista
muito talentoso e com a cabeça fervilhando de novas ideias provavelmente não
consegue escrever uma linha se, por exemplo, estiver sofrendo com uma cárie. A
dor bloqueia a concentração. Isso é o que quero dizer quando afirmo que sem
concentração você não realiza coisa alguma.
Depois de concentração, a coisa mais importante para um romancista
é, sem sombra de dúvida, perseverança. Se você se concentra em escrever três ou
quatro horas por dia e se sente cansado após uma semana fazendo isso, não será
capaz de escrever um livro longo. O que um escritor de ficção necessita – pelo menos
aquele que sonha escrever um romance – é a energia para se concentrar todo dia
durante meio ano, ou um ano, dois anos (...).
Felizmente, essas duas disciplinas – concentração e
perseverança – são diferentes do talento, uma vez que podem ser adquiridas e
aperfeiçoadas por meio de treinamento. Você aprenderá a ter tanto concentração
quanto perseverança quando sentar todo dia diante de sua escrivaninha e treinar
a mente a se concentrar em uma coisa só. Isso parece um bocado com o
treinamento muscular de que falei agora há pouco. Você precisa transmitir
continuamente o objeto de sua concentração para seu corpo todo, e se certificar
que ele assimilou por inteiro a informação necessária para que você escreva
todo dia e se concentre na tarefa diante de si. E gradualmente você expandirá
os limites do que é capaz de fazer (...) Paciência é um componente obrigatório
do processo, mas garanto que os resultados virão.
Em sua correspondência particular, o grande escritor de
policiais Raymond Chandler certa vez confessou que mesmo que não escrevesse
nada, obrigava-se a sentar em sua mesa todo dia e se concentrar. Entendo a
finalidade por trás disso. Esse é o modo como Chandler arrumava para si mesmo a
resistência física de que um escritor profissional precisa, aumentando
tranquilamente sua força de vontade. Esse tipo de treinamento diário era
indispensável para ele.
Escrever romances, para mim, é basicamente um trabalho
braçal. Escrever, em si mesmo, é um trabalho mental, mas terminar um livro
inteiro está mais próximo do trabalho braçal. Não envolve levantar peso, correr
ou pular. A maioria das pessoas, contudo, enxerga apenas a realidade
superficial da escrita e acha que os escritores vivem silenciosamente
concentrados em um trabalho intelectual em seu gabinete ou escritório. Basta
ter força para erguer uma xícara de café, imaginam, que você pode escrever um
romance. Mas assim que você arregaça as mangas para começar, percebe que não é um
trabalho tão tranquilo como parece. O processo todo – sentar em sua mesa,
concentrar sua mente como se fosse um raio laser, imaginar alguma coisa em um
horizonte vazio, criando uma história, escolhendo as palavras certas, uma a
uma, mantendo todo o fluxo da história nos trilhos – exige muito mais energia,
por um longo período, do que imagina a maioria das pessoas. Pode ser que você não
mova seu corpo de um lado para outro, mas há um exaustivo e dinâmico trabalho
operando dentro de você. Todo mundo usa a mente quando pensa. Mas um escritor
veste um traje chamado narrativa e pensa com todo seu ser; e para o romancista
esse processo exige pôr em ação toda a sua reserva física, geralmente ao ponto
da estafa.”
O inspirado trecho acima, retirado de Do que eu falo quando eu falo de corrida, do escritor e maratonista Haruki Murakami, me incentivou a
fazer um belo exercício de aquecimento, que a partir de hoje pretendo que seja
diário, treinando os dedos e a concentração, com este belo teste para aumentar a velocidade de digitação. Digito relativamente rápido, sem olhar para o teclado,
mas preciso estar em constante exercício. Seja através da correspondência
eletrônica, seja atualizando estes trovões de muitos acessos e poucos
comentários, seja compondo ficção. Até ler esse livro, tão bem escrito que
até um sedentário confesso quanto eu é capaz de se encantar – desde que também
seja encantado pela literatura –, achava que não praticava regularmente nenhum
esporte (desde que mudei para apartamento, alguns anos atrás, o estudo e
prática da bateria ficaram totalmente comprometidos, infelizmente, afinal a
bateria não foi feita para condomínios). Mas se mantiver a concentração e a
perseverança, começando por hoje, posso me exercitar e treinar meu instrumento,
colocando óleo nas engrenagens da escrita.
Então, vamos ao foco.
Lembro as palavras do Mestre Joel Kras: Não existe talento sem a dedicação! Associei ao texto e obtive algumas respostas que quero comentar com vc acompanhado de um bom café e muito blues!!! Abração e perseverança sempre!!!
ResponderExcluirLegal, agora que terminou Avenida Brasil e tuas aulas de estatística, podemos falar sobre dedicação e tentar manter o foco (duas coisas muito difíceis, aliás). E as palavras do grande pintor Joel Kras são bem verdadeiras. Semana que vem, então, café com blues.
ResponderExcluirGrande abraço e sim, perseverança sempre!
Quero esse Murakami emprestado! Tenho me sentido concentrado e motivado nos últimos dias. Mas o pulo do gato é esse; como transformar usso em rotina diária? como transformar a manifestação divna das musas em hábito?
ResponderExcluirTá, então vamos fazer um escambo: também quero emprestado o Kafka à beira-mar. E quero saber como tu conseguiu o milagre da concentração e da motivação. Acho que o pulo do gato para transformar isso em diário é este princípio: perseverança.
ResponderExcluirQueremos mais atualizações neste blog!!! E o coffee??? Abração!
ResponderExcluirSim, estamos providenciando. Quanto ao coffee... é só chegar. Abração!
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