22 de maio de 2014
21:43
De novo, a porta fechada. Escrevo ao som do piano. Em minha
mente, claro, e sinto que por algum motivo ele está voltando. É claro que não
fui no aniversário de Jade – não que ela não seja uma garota legal; é, mas não
quis ir. Não quis e pronto. O caso é que ouvi Sarah dizendo a ela: do ponto
para trás, acho que no sentido de voltar a uma situação anterior. Tipo assim, o
ponto final é o fim de tudo, é onde a frase termina. Ponto. Fim.
Então me ocorreu isto:
Do ponto para trás.
Adorei essa figura de linguagem. E me ocorreu que Maria, a
mãe, que tocava aquele piano lindo e triste, bonito como um corte no pulso – e por
um segundo penso em parar de escrever para olhar para minhas próprias
cicatrizes – era ligada em algum tipo de arte, além da música. Ela gostava de
contar histórias, de ler e talvez tenha ensinado Clara a escrever. Maria
escrevia, Clara escrevia.
Me pergunto se eu mesma escrevia antes de escrever?
Isso me fez pensar. Porque por mais que eu seja uma péssima escritora,
já escrevi esta história, que nem é, ou nem era, uma história e já se foram
mais de cem páginas. Quem sabe, daqui a
pouco esta não-história, estes lamentos que registro aqui e que ninguém jamais
vai ler, vão estar beirando as duzentas páginas. E depois, quando eu terminar,
jogo tudo no lixo. Ou no fogo.
Já pensei que existe um incêndio nesta história.
É assim que termina tudo?
Tenho medo de terminar esta merda de história, isso você já
deve ter percebido. Mas também havia a chuva. E havia um dia nublado.
Lindo.
Lindo e nublado.
Enquanto o piano seguir e você estiver por aí, eu vou ficar
viva. Nem sempre me sinto viva, e nem sempre estou viva, eu sei, mas escrever
estas bobagens tem me ajudado de alguma forma. Sarah deve ter imaginado que ia
dar nisso. Então por que não termino de contar a história de Clara? Sinto o
peito apertado, mas... Existe algo além do ponto final. Algo além das
reticências. A música da linguagem.
Acho que elas gostavam de escrever.
Sim, elas gostavam. Gostavam da música da linguagem. Talvez,
se tivessem sobrevivido, uma das duas, ou quem sabe as duas, tivessem contado a
história que estou tentando contar. A história de Clara.
Eu não sei se elas morreram – apenas escrevo o que meu
pensamento sugere. Eu que não sei escrever.
Ou talvez, de alguma forma que ainda não entendo, saiba.
Talvez eu mesma tenha sobrevivido para contar esta história.
A história de Clara.
21:58
E eu, o que estou fazendo aqui? Tu me ignoras, Maria. Será que me ouves? Será que mais alguém me ouve, alguém além de mim? Eu sou um personagem desta tua história, um personagem imposto pela fuga e pelo teu medo. Será? Maria, estou confuso, mais confuso que tu. Será que mais alguém lê esta história que apenas existe e que tanto te faz bem? Esta história que te ajuda a seguir vivendo, ainda que só no papel? A música das palavras... tu me dizes, o ritmo da linguagem, eu gosto do barulho dos dedos no teclado, ouço-os vindo de algum lugar, do meu criador... quiçás, quiçás, quiças. Quiçás, quiçás, quiças... Índia, teus cabelos, Índia, teus cabelos. Maria, teus cabelos... de que cor será que são? Maria, eu te amo. Amo? Amo ouvir tua voz... Voz? Maria, estarei vivo? Se me ouves, não me ignores, deixa-me saber quem sou. Teu Leitor Mais Querido.
ResponderExcluirQuerido Leitor Mais Querido,
Excluirvou tomar um banho e depois escrevo pra ti. Talvez te responda algumas coisas.
Até daqui a pouco.
PS - Fico feliz em te ter por perto de novo, de alguma forma...