10 de julho de 2014
23:20
Penso no piano. Tão lindo, tão triste, tão soberbo que
pareço ouvir as teclas e sua melodia preenchendo este vazio que é tudo o quanto
penso em preencher quando começo a escrever aqui, noite após noite. E não
preencho nada, mas penso no piano enquanto ele toca.
Em algum lugar perdido dentro de mim.
Quero encontrar esse lugar.
Hoje eu quero.
Por isso escrevo.
Me arrepio e até penso em chorar. Maria Chorona. Hoje não.
Tive um sonho esses dias. Sonhei que eu estava bebendo. Que estava empinando
uma garrafa atrás da outra. Em algum bairro da minha infância. Não me pergunte
como sei que era um bairro da minha infância se não me lembro sequer do meu
segundo nome. Mas por algum motivo lembro do meu primeiro nome, talvez porque
nunca gostei dele e escrevendo aqui, neste processo e, por que não, jogo maluco
no qual Sarah me meteu, acho que comecei, de alguma forma, a gostar do meu
nome. Acho que faz parte de criar e, vá lá, assumir uma identidade.
Meu nome é Maria.
Não me lembro de muito mais que isso, mas me lembro que naquele
bairro do sonho, no qual eu estava bebendo, eu já estive.
Talvez você não tenha prestado atenção quando escrevi, mas:
eu não bebo.
Imagino que Maria, a mãe, também não bebesse. Claudius
voltou a beber depois de todo aquele tempo e bateu nela. Algumas vezes. Talvez
muitas vezes. Clara viu isso. E também, imagino, não bebia. Claro, ela prometeu
que nunca ia beber na vida. Um dos garotinhos, Jonas ou Marcos, bebeu para
proteger Clara.
Meu deus, eu me esqueci de tudo.
Me esqueci da minha história.
Sei que no sonho, quando eu estava bebendo, e deixe-me dizer
que estava adorando beber, lá pelas tantas, passou pela rua um desses caras estranhos,
um desses que parece incrivelmente igual aos outros, a todos os outros, como se
fossem clones, um clone da loucura e do esquecimento do mundo, do esquecimento alheio,
passou por mim. E viu que eu estava bebendo. Senti vergonha. Senti mais do que
vergonha. Quis voltar ao passado, quis apagar tudo.
A Estranha Que Escreve Trancada No Quarto.
E então acordei.
Ainda não contei para Sarah. Esses psicanalistas adoram
sonhos. O que será que ela diria? Sim, sonhos vêm do inconsciente. Mas e daí? E
a história de Clara, que escrevo aqui pelo que imagino ser uma livre associação
– porque jamais sei o que vou escrever antes de realmente escrever, nunca,
nunca – vem de onde?
Tem uma outra garota aqui que, percebi esses dias, parece
uma personagem. Sei lá se pelo fato de eu tentar contar a história de Clara e
mesmo com esse processo de vir aqui e tentar juntar palavras, eu que nunca
soube escrever – ou soube e não sei, porque me esqueci, que já sabia? –, eu
acabe vendo as pessoas como personagens, todas passíveis de serem inseridas em
uma narrativa, que no fundo acho que é isso o que todos somos.
Personagens de uma história contada, não sei por quem e não
sei para quem.
Mas pensei nessa garota. Vou tentar descrever: ela tem os cabelos
laranja e parece uma boneca assustada. Uma boneca, sim, mas assustada. Ouvi
dizer que toda sua família se matou e ela veio para cá.
Será que foi isso o que aconteceu comigo?
Acho que o nome dela é Emília. Uma boneca assustada que
parece que vai se quebrar no meio. Ela tem medo de ficar entre outras pessoas.
E não vou negar que isso, de alguma maneira, me atraiu. Não nesse sentido que
você imaginou, mas tive vontade de escrever sobre ela. Todas temos nossas histórias.
Assim como Clara tem a dela.
Maria, a mãe, também.
Me arrepio ao pensar em Maria tocando piano para sua
princesinha. Se tudo o que eu pudesse descrever, se tudo o que eu pudesse
mostrar nesta história, fosse esta mãe tocando o piano para sua garotinha, eu
estaria feliz. Mas por enquanto tudo o que consigo fazer é suspirar.
Ó Clara, mostre-me como termina essa melodia. Que me faz
chorar escondidinha aqui nesta cela.
E que me dá saudades.
Meu deus, saudades. Daquele lugar que se perdeu dentro de
mim. Mas sei que ele está lá.
Ele está lá. E é então que começo a chorar.
Chorar de saudades.
23:46
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