Quinta-feira,
25 de dezembro de 2014
01:33
Talvez
nesta data ano passado eu tenha vindo para cá e escrito, não lembro. Encontrei
Sabatha hoje no corredor, ela quase escondida atrás de seus cabelos gigantes
que, hoje percebi, parecem uma rede com correntes, cipós, qualquer coisa assim,
vestindo seus braços de leite desnatado, e ela disse para eu escrever hoje.
Disse que achava que a história que estou contando deve estar rumando para o
fim. Não sei. Na verdade, hoje jantamos quase todas, eu e as garotas daqui, até
um ou outro garoto, juntos, confraternizando. Mesa farta. Mas tudo o quanto
pensei foi em vir aqui escrever. Talvez defender este mundo que é só meu. Este
mundo do qual sou dona, sou a rainha e a princesa.
A
mãe e a filha.
De
novo, não sei de onde essas palavras surgiram. Mas surgiram. Sarah, que me deu
um livro de presente hoje, de uma tal Elisabeth Roudinesco, acho que para eu
entender melhor as teorias daquele velho tarado – e sei que isso deve ser um
sinal, ela querer que eu leia essas loucuras todas, talvez para decifrar a
esfinge que habita em mim – sempre me diz: escreva o que lhe vier à mente.
Escreva, se você não quiser (ou não conseguir, suponho) falar.
A
cura está na palavra.
Eu
não sei. Apenas escrevo, ninguém vai ler, que diferença faz? Hoje comemos todas
juntas no refeitório. Sei lá por quê, mas imaginei um pinheiro na casa de Clara
com bonequinhos de chocolate pendurados. Talvez Maria, a mãe, estivesse
enfeitando a árvore. Talvez o Papai Noel ainda não tivesse voltado a beber.
Talvez o inferno ainda não tivesse começado. Talvez em minha fantasia aquela
pudesse ter sido uma noite feliz. Com renas, trenó e tudo mais que vier. Lady
Clara e seu irmão Jonas, junto com o primo Marcos, ou talvez ainda nem
existisse primo Marcos, filho da Tia Lara, talvez a Tia Lara ainda nem tivesse começado
a se engraçar com o Papai Claudius, e talvez aquela noite tivesse sido apenas
uma família feliz comemorando: Claudius, Maria, Jonas e Clara. Sim, em minha
história hoje, e só por hoje, eu gostaria que fosse assim. Sabby disse que eu
poderia ter um despertar hoje, por isso eu deveria escrever. Quem sabe
aparecesse alguma luz. Queria ser capaz de criar mais cenas assim: uma família
feliz. Que não sei se é real ou apenas ficção. Mas na minha mente de escritora
iniciante, sim, quero acreditar que houve uma noite feliz.
E
então que alguém bate em minha porta. Paro de escrever. Quem seria a esta hora
da madrugada, depois que os fogos do lado de fora cessaram e imagino que minhas
colegas-zumbis tenham ido dormir?
Olho
para o assoalho e vejo um desenho. É uma pintura de Dafne. Fico a encarar por
alguns segundos. A figura vai se desenhando ante meus olhos que, assim que
conseguem decodificar o que significam, lacrimejam. É um boneco feminino, de
vestido, e uma criança, que parece estar voando. Nenhuma tem rosto. Igual minha
história. Mas sei quem são: mãe e filha. E mesmo não vendo seus rostos, sei que
estão felizes. Suspiro, tentando conter o choro. Abraço a pintura forte no peito,
como quem abraça uma mãe.
Ou
uma filha.
Me
arrepio e começo a chorar. Obrigado, Daf. Foi o melhor presente que eu poderia
ganhar na noite de hoje. Os pensamentos cessam. Por um segundo, volto a
acreditar que há um céu além deste teto, e talvez uma lógica que conserte tudo
no fim das contas. Vejo a assinatura de Dafne e agradeço, uma vez mais:
−
Feliz Natal, Maria.
01:58
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