Sexta-feira,
12 de dezembro de 2014
20:57
Caminhei
com a Garota Cheshire, que é toda ela um sorriso, um sorriso com pernas. Ela me
fez ver este lugar de uma forma diferente. Ela me mostrou, como uma guia de
museu, os arcos que há na entrada, o chafariz que há no centro. Depois me
mostrou as árvores rosas e vermelhas. As folhas caídas sobre o chão. Ela não
sabia que havia o riacho, e não fomos até lá, mas caminhamos vendo os arcos e o
chafariz.
Nunca
tinha reparado em nada disso.
Este
lugar não é, afinal, um castelo mal-assombrado.
Cheshire
me falou em um dia de primavera nublado. As folhas estavam caídas sobre o chão,
como no outono que talvez eu mentalize quando venho aqui escrever e o outono
pelo qual espero. Quase choveu ou choveu pouco. Ameaçou chover, ameaçou
esfriar. Foi o suficiente: devo escrever.
Ela
andou lendo uns textos com essas teorias loucas de Sarah. Ela me falou da
teoria do trauma, e como acontece algo tão ruim que a gente não consegue
suportar, nosso psiquismo inventa artimanhas para nos proteger. E a gente
inventa coisas boas dentro daquilo que foi ruim para sobreviver. Acho que é a
tal história de tudo de bom estar no outro e tudo de ruim estar em mim. Então,
segundo ela, e mesmo que ela não tenha me dito isso eu deduzi, eu devo projetar
objetos bons enquanto escrevo, porque houve um trauma que me fez esquecer,
porque lembrar dói demais.
Então
a história que tento contar, e que nem sei se é mesmo uma história, é uma
projeção. Logo, Clara foi abusada por Claudius, e ela tem que criar algo para
colocar no lugar. Tipo assim:
A
Clara sou eu.
Mas
também posso ser Maria, a mãe.
A
mãe que cuida, ou deveria ter cuidado, de Clara.
Confesso
que achei algo absurdo, mas também confesso que me inquietou. Acho que o termo
que Sarah usa é “desacomodar”. De onde tiro essa história que escrevo assim, a
partir do nada, a cada noite, sem sequer saber que palavra virá a seguir na
frase?
Me
incomodou a teoria de Cheshire – e por que incomodou?
Isso
ainda não sei.
Não
vou ser ingênua a ponto de achar que, depois de todo esse tempo, ninguém sabe o
que escrevo aqui. Me arrepio de pensar que essas malucas sabem tudo, mas alguma
coisa elas sabem. Talvez, inclusive, algo que não sei. Então penso que existe
uma Mitologia de Maria.
Quem
sou eu? Por que escrevo uma história tão horrível assim?
Já
ouvi inclusive que posso ser o homem que estou descrevendo, e se tenho tanta
raiva de Claudius, talvez ele também seja uma projeção de algo meu. Dentro
dessa lógica, eu poderia ser Lara, que aliás é um nome parecido com Clara.
Lara, a vagabunda.
Não
quero falar de sexo.
Não
vou mentir, pensar nessas loucuras todas mexeu comigo. Mesmo que ache um
absurdo, de alguma forma que ainda não consigo, ou não quero, e não quero
porque não consigo, entender, esses absurdos talvez tenham um sentido oculto.
Tudo está oculto, não é mesmo?
Talvez
esse seja o salto que Sabatha estava falando. Mas Dafne prometeu que eu seria
capaz de desviar o penhasco.
Queria
segurar na mão de Sarah agora. Mas ela não está por aqui.
Por
que será que as mães nunca estão presentes quando a gente precisa delas?
Pausa.
Não
sei de onde me ocorreu essa frase. Mas se pensei, devo partilhar. É assim que
funciona. Partilhar sem medo nem julgamento. Apenas colocar para fora, e ver no
que vai dar. Ou nem ver no que vai dar: apenas colocar para fora.
Estou
me sentindo estranha. Clara, Maria, Claudius, Lara, é demais para um dia só.
Mas de alguma forma sei que hoje cheguei mais perto daquele penhasco. Quando
decifrar a Mitologia de Maria, e um dia sei que vou decifrar, decidirei se pulo
ou desvio.
E
então encontrarei minha paz.
21:22
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