5
de janeiro de 2015
01:38
Um
ano começou faz pouco. Uma nova madrugada também. Vazios de fim de noite.
Vazios foram feitos para a gente preencher com palavras. A gente, não. Eu, a
Maluca do Quarto Trancado, que hoje está com a porta aberta porque o corredor
está vazio, igual a mim. Estou me sentindo sozinha. Não sei se sozinha no
corredor, ou no mundo. Garotas com fendas e vazios de fim de noite. Talvez um
dia escreva uma história com um nome desses.
Acho
que Dafne está namorando com um desses malucos daqui. Anda meio alegrinha para
uma garota com fendas, e isso é bom. Jade não vi mais. Essas doidas se engraçam
com esses poucos garotos que existem aqui e esquecem do resto. Que resto, me
pergunto. Qual o resto que há para lembrar?
Não
sei. Por isso escrevo.
Lady
Ballet parece que teve um dia bom hoje. Ela disse que ajudei ela. Imagine, não
consigo ajudar a mim mesma, mas talvez apenas tenha a escutado e de alguma
forma isso a tenha ajudado. Ela me falou de alguns traumas de infância.
De
novo, o abismo se aproxima.
Traumas
de infância.
Suspiro.
Quero parar de escrever esta merda neste exato momento. Mas não consigo.
Suspiro de novo.
Ela
perguntou como é a família da história que estou escrevendo, fisicamente.
− Como
você sabe que estou escrevendo a história de uma família?
Ela
não respondeu. Apenas disse o que acha: o pai deve ser assim, a mãe deve ser
assado. Pensei nos cabelos morenos e lisos de Claudius. Maria, a mãe, em minha
mente é uma mãe jovem, mas talvez envelhecida. Magra, talvez de cabelos
ondulados. Não sei, apenas escrevo o que me vem na cabeça neste instante. Talvez
eu já tenha descrito eles em algum lugar perdido deste texto. Maria é a irmã
mais velha de Lara. Lara, a gostosinha, bonitinha, putinha, que deu para o
cunhado em vez de cuidar da sobrinha. Será que foi assim mesmo?
Claudius
voltou a beber depois de dez anos quando estava se engraçando com Lara. Talvez
Lara estivesse nua, derramado o champanhe sobre o corpo e tenha dito:
−
Quer fazer um brinde, doutor?
Não
sei se foi assim. Talvez eles estivessem flertando antes, talvez tenham ido
para um quarto longe de Clara, Jonas e Marcos. Talvez ela tenha tirado a
camisa, talvez estivesse de vestido. Talvez tenha tirado o vestido, derramado o
champanhe e Claudius não deve ter visto mais nada: apenas o próximo gole.
E
ali começou o inferno da pequena Clara. Que ainda não sabia, seria também
amante do papai.
Meu
deus, Lara, por que foi ser tão puta?
Claudius,
maldito, por que não respeitou sua esposa que estava no hospital?
Maria,
a mãe, internada na noite de réveillon.
Que
história horrível. Escrevo como quem mastiga caquinhos. Jonas, Marcos e Clara
brincavam na sala. Ou talvez tivessem ido dormir. Claudius e Lara brincavam no
quarto, malditos sejam.
E
Maria, a mais bela mãe do mundo, estava sozinha no hospital. O Sr. Doutor não
foi capaz de esperar ela sair de lá. Ou talvez tenha voltado para casa,
colocado as crianças para dormir, comido a cunhada e voltado para buscar Maria.
Talvez
Maria desconfiasse, não sei. Que família de merda. Mas em algum lugar perdido
nesta história, há um amor de família, que tento encontrar cada vez que meu inconsciente
acende uma luz – nem sei se é inconsciente, mas Sarah acredita que é.
Existe
amor nesta família.
Ou
existia.
E
vou encontrar.
Não
sei exatamente como são as pessoas que descrevo, querida Ballet. Não sei descrever.
Sei um pouco o que elas sentiam, porque acho que todas, de alguma forma, vêm de
mim. Mas é um amor. Um amor que houve, e que talvez seja o que me faça
escrever, e que me faça continuar lutando. Esse amor talvez seja o que me
mantenha viva.
Um
amor grande como as pernas de Lady Ballet, não posso deixar de registrar, ela
que mesmo sendo magra ainda se vê como gorda. Acho que um dia ela vai rir do jeito
como falavam das pernas dela, assim como aos poucos vamos, bem aos poucos, nós,
garotas com fendas, aprendendo a rir das nossas desgraças. Eu ainda não
aprendi. Lady Ballet estava rindo hoje e nunca tinha visto ela rir. Então
talvez seja possível. Ela ainda tem corpo de bailarina, embora eu não entenda
nada disso. Imagino uma cena impossível (mas por que não?). Lady Ballet
dançando com Lady Brownie. Para mim, seria como ver dois anjos dançando.
Mas
não era isso o que eu queria dizer. Apenas queria dizer que o amor que houve
naquela família foi grande. Mesmo com Claudius, mesmo com Lara, mesmo com tudo
o que aconteceu.
Grande
como um amor de mãe pela filha.
E
é neste momento que paro de escrever.
E
começo a chorar.
02:21
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