20
de janeiro de 2015
21:14
Faltam
exatos dois meses para o outono. Pode ter sido coincidência, mas Sabby e
Cheshire perguntaram se eu não ia escrever mais. E então começou a chover. Acho
que vou, disse eu. Vamos esperar, disseram elas. Faz dias que não escrevo, e
duvido que alguém sentiria falta se eu nunca mais escrevesse. Mas a verdade é
que ainda não sei como termina esta história. Tem uma garota aqui, de cabelos
lisos e vermelhos, com os braços cheio de tatuagens que parecem contar uma
história (teria ela sido tatuada por livre associação?), que disse que acha que
quando escrevo estou falando de mim. Sei lá quem disse que toda autobiografia é
ficcional, e toda ficção é autobiográfica. Não sei o nome dela, mas acho que
vou chamar essa garota de Savanah. Tem um parentesco com Sabatha, acho que
porque vi elas duas juntas hoje. Se não for esse o nome dela, invento outro.
Acho
que ela também é uma garota com fendas. Parece que ela tinha um namorado antes
de vir pra cá – bem, todas temos uma história. Embora eu não lembre a minha,
sei que tenho uma. E vou escrevendo assim, sem ter a menor ideia de por que
essas palavras se juntam umas nas outras, nessa ordem. Mas tivemos nossas
histórias. Acho que essa garota também andou lendo uns livros daquele velho
tarado. Garotas com fendas. Não sei se escrevo sobre mim. Apenas escrevo e vou
vendo onde isso vai dar.
Maria
que paga pra ver.
E
então que começou a chover. Ouvi o vento batendo nas janelas, feito fantasmas
em casa mal-assombrada. Talvez isso onde estamos seja, enfim, isso mesmo. Vejo
o chafariz lá embaixo. Não ouço o piano. O corredor está deserto e a porta está
aberta. Vou apenas escrevendo o que me vem à mente.
Sabby
falou em morte.
Garotas
com fendas têm aquilo que Sarah chama de pulsão de morte. Talvez todas
tenhamos, todas nós do mundo inteiro: pulsão de vida e pulsão de morte (sim,
Sarah está me contaminando com suas loucuras). Mas acho que existem tipos e
tipos de garotas com fendas. A dor de Sabby é diferente da dor de Dafne, que me
parece mais contida, mais dor-pra-dentro. Talvez Sabby busque a morte de outras
maneiras.
Como
Cris, que felizmente não tentou mais se matar. Me preocupo com ela. E neste
momento, confesso, tenho saudades dela. Não temos nos visto muito. Às vezes
parece que essas malucas vêm e vão. Acho que elas saem por alguns instantes,
talvez até dias, e voltam. Elas sempre voltam, como eu sempre volto.
Para
a pequena Clara.
Para
Maria, a mãe.
Mesmo
que eu nunca mais escrevesse, acredito agora que essas duas continuariam vivas
dentro de mim. Não sei se fora de mim também, e descobrir este mistério, e como
afinal termina a história de Clara me faz voltar. Quero voltar. Por isso
escrevo. E continuarei escrevendo esta droga de história, que nem história é.
Ou
é e ainda não percebi?
E
se houver mesmo mais autobiografia do que quero supor na ficção que estou
tentando escrever?
Talvez
se conseguir mudar a história, essa de mentirinha, mude a mim mesma, essa vida
que também estou inventando. Inventando a mim mesma. Maria, a Criadora.
Talvez
dê certo.
Sim,
pode dar certo.
21:34
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