13
de janeiro de 2015
00:06
Dafne,
que não gosta muito dos livros de Sarah, porque acha que é tudo viagem, disse hoje
que eu tenho um TEPT.
−
Um o quê?
− Transtorno de Estresse
Pós-Traumático.
Ouvi
em silêncio, tentando decodificar.
Senti
como a filha que ouve na escola, pela primeira vez: aqueles não são seus pais
verdadeiros, você é adotada. Ela continuou:
−
E algo aconteceu na chuva, porque você só escreve quando chove.
Pensei
naquilo por um instante.
E
depois sorri.
Em
paz.
Sabby
outro dia me perguntou por que só escrevo quando chove. Ela também acha que
alguma coisa aconteceu na chuva.
Fecho
meus olhos.
Não
está chovendo.
Está
calor e odeio o calor. Poderia dizer que é a lembrança daquilo que se queimou. Talvez
tenha se queimado sob a chuva. A chuva e um incêndio. Claro que tudo isso pode
ser simbólico, a chuva, o fogo. A dor não é, não pode ser. Mas Dafne me disse
que eu estava com ares de quem vai se despedir. Para não voltar.
−
Não vou morrer hoje, Daf.
Ela
disse que tínhamos um trato e se aquilo servir para me deixar viva mais um dia,
então cumprimos nossas missões por hoje.
Talvez
a chuva que não consigo ver nem sentir, neste começo de madrugada, neste calor
kafkiano, seja para emoldurar a pequena Clara dançando, como índios dançam a
dança da chuva. Marcos e Jonas, penso agora, estavam juntos. Ela escorregava
pelas gramas encharcadas e seu corpo de princesa, que naquele momento não
carregava dor alguma, ia seguindo em frente, abrindo caminhos, construindo um
futuro. Que talvez ainda venha a existir.
Quase
não falo de Marcos e Jonas. Jonas Michel, acho que era o nome dele. Como posso
inventar coisas, nomes, pessoas, lugares, e depois esquecer? Acho que se é para
eles voltarem para a consciência, eles voltarão. Nossa, pareço Sarah falando. E
Marcos? Acho que ele defendeu a prima (e irmã, embora ninguém soubesse) Clara
de Claudius, em uma de suas bebedeiras. Já pensei, porque vou sempre tateando
esta história, sempre escrevendo sem saber que palavra virá a seguir, que Marcos
tenha fugido ou ido morar com outro parente, pelo menos por um tempo.
Claudius
tentou fazer Clara beber e Marcos bebeu no lugar dela, para defender a prima.
Queria escrever algo mais pra cima hoje, mas talvez até o fim deste texto mal
escrito talvez eu encontre uma luz. Bem, Clara brincando na chuva é um tipo de
luz. Maria, a mãe, pensei agora, observava a filha feliz.
Feliz.
Houve
recortes de felicidade e amor nesta família. E acho que vou tentando juntar os
retalhos para montar um lençol, lindo, feito com carinho de mãe. Sim, Maria
costurava casaquinhos de lã para Clara e Jonas. Talvez até para o sobrinho
Marcos. Talvez o frio esconda algum tipo
de paz e por isso tenho tantas saudades dele. O outono de Clara, o inverno de Jonas
e Marcos. Talvez algo horrível tenha acontecido no verão, e talvez por isso
esses escritos com temperatura. Queria um vento soprando esperança por aqui, e
parece que quanto mais escrevo, o vento venta: a esperança está chegando. Apenas
escrevo, assim, como quem não quer nada, apenas colocando as palavras uma ao
lado da outra, como quem constrói um muro. Não o muro das lamentações, mas uma
parede montada com esses retalhos de vida e de amor.
Que
podem ter se perdido.
Mas
sei que vou encontrar.
E
vamos construir esse muro, Daf e Sabby.
E
então, finalmente, aprenderemos a voar.
00:32
Vamos, sim, aprender a voar.
ResponderExcluirSabby
"Passei um tempo longe, mas é como se o tempo não tivesse 'corrido'. Volto a esta página e o mundo de Clara e de Maria apenas seguindo... Boa a sensação de saber que não estive tão perdido enquanto andava por outros parágrafos deste mesmo livro: a vida de um escrito(r) ah!" Bom que segues, Maria, e que estás próxima do... final? E eu te sigo, te sigo... Teu mais querido Leitor".
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