sábado, 10 de janeiro de 2015

Piano Para Pequena Clara – Dia 157




9 de janeiro de 2015

23:32

Encontrei Sabatha no refeitório hoje. Ela estava comendo algo que parecia um bolo e perguntou se eu queria. Eu disse que sim, e ela disse, corte um pedaço, que eu não vou cortar para você. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ou pensar sobre aquilo, ela acrescentou: a garota dos brownies que me deu.

Comi um pedaço.

Ainda tinha gosto de infância.

Naquele momento estava chovendo. Conversei com Sabby mais uma ou duas coisas, levantei e disse que ia me retirar. Ela sorriu.

Eu sabia que você ia escrever hoje.

Parei.

Como você sabe?

Ela manteve o sorriso, confirmando.

Eu sabia, disse ela. Talvez eu passe lá mais tarde.

Tudo bem, disse eu. Vou escrever hoje, eu que faz alguns dias que não escrevo. Não que alguém fosse sentir falta.

Você sentiria?

Confesso que andei fazendo o que disse que nunca ia fazer: li alguns trechos do que escrevi nos últimos meses. E lembro que me dirigia muito a você. Ainda não sei quem você é, ou se ainda está aí, ou vai estar quando eu terminar, como achei no início. Mas me arrepiei ao perceber que, sem saber, já sabia. Intuí algumas coisas que vim a descobrir meses depois. Não que saiba muito da história que tento contar. Um desses malucos me perguntou hoje se penso no que vou escrever, se tenho um esboço.

Não sei nada. As palavras apenas aparecem, e ainda não sei de onde elas vêm.

Sarah acha que é do inconsciente.

Se for, talvez eu esteja mais dentro da história que estou contando do que quero supor. O que não sei é o quanto. Quem sou eu que conta a história da pequena Clara, filha de Maria. A mãe. Quem sou eu no meio do Dr. Claudius que voltou a beber, que talvez tenha levado Clara em algum boteco. Isso tem sentido. Em vez de levar a filha no parquinho, ele levou em algum pulgueiro. Talvez ela tenha aprendido a brincar no meio dos garrafões de vinho, as malditas cebolas em conserva, talvez houvesse dois homens jogando dominó. Cheiro de cigarro. Fogo Paulista. Amendoim. Que mais eles comiam? Não sei, vou escrevendo o que me vem à mente.

Talvez o nome do bar fosse Decrépito’s.

Clara correndo pelo Decrépito’s World, ela que deveria ter sido levada para a Disney, mas Claudius estava se engraçando com Lara na noite de réveillon. E alterou o destino de Clara. Ou seria esse mesmo o destino de Clara, virar namoradinha do papai?

Meu deus, que história de merda.

Como odeio esta história.

Se ainda conseguisse ver um sentido nisso. Na dor que houve.

Talvez tenha havido. Não sei realmente o que fazer, eu, péssima escritora, e neste momento quase me arrependo de dizer para Sabatha que ia escrever hoje. Estava chovendo, mas não chove mais. Eu deveria escrever apenas enquanto chove.

Porque existe algo com a chuva. Talvez esta história termine em um dia assim, mas talvez a chuva limpe tudo. E nem todos morram, como suponho e neste momento me aterroriza pensar nisso. Coisa que já pensei: estou escrevendo uma história que já se passou. Achei que era apenas uma história boba, e que nem história era. As pessoas foram surgindo: o homem alto e moreno, a mulher, a criança. A outra mulher. A outra, do papai. Maldita Lara. Não sei mais o que escrever, mas não consigo parar. Os pensamentos vão fugindo da minha cabeça, igual foi no começo. Esta história é boba, mas não é inocente.

Não é apenas uma invenção da minha cabeça. Ó, meu deus. Não é apenas uma história.

Ela aconteceu mesmo.

Me arrepio e entonteço.

A história que estou inventando realmente aconteceu.

23:54

2 comentários:

  1. Minha nossa! E com quem aconteceu? Por que você só vai escrever quando chover? O que tem de tão especial na chuva?
    Passarei aqui outro dia para ver as respostas!
    Com carinho, Sabby

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    1. Essas perguntas pretendo responder em breve. Ainda não sei, mas sei que escreverei até, inevitavelmente, descobrir. Aliás, acho que vou para o quarto escrever agora.

      Até daqui a pouco, Mary.

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