Domingo, 5 de abril de 2015
18:35
Cris me perguntou se eu não ia escrever hoje. Olhei pela
janela. Depois de um dia cinza lindo, começou a chover. Sorri. Chove, Maria
escreve. Nem tinha reparado, e talvez não tivesse sentido falta, mas faz dias
que não escrevo. Não que alguém fosse se importar – ou alguma nova pauta para
um talk-show com a maluca que escreve trancada no quarto, aquela que não lembra
sequer seu segundo nome e para se lembrar deve inventar uma história a partir
do nada, livre associação, suponho, e então vai nascendo esta história horrível,
assim: a filhinha abusada pelo papai, que batia na mamãe, médico que brincava
de médico com a cunhada, com quem teve um filhinho, não assumidinho, e voltou a
beber depois de dez anos de abstinência em uma festa muito particular de réveillon
– uma pauta assim talvez esperasse, como Sarah espera, que eu terminasse esta
merda para ter algo para contar.
Posso estar enganada, mas acho que não tenho.
Ou tenho e finjo que não tenho?
Sarah e sua psicanálise está me enlouquecendo. Esses
psicanalistas no fundo querem isso, nos enlouquecer.
Mas se estiverem certos?
Se Sarah estiver certa?
Ela deve saber como termina a história de Clara, mas não vai
me contar, vadia.
Sou a Maria que corre atrás do próprio rabo em círculos, que
corre atrás de uma cenoura inalcançável. E odeio Sarah porque ela sabe da
verdade, sabe como vim parar aqui – mas não vai me contar.
- Você não está preparada para ouvir, pareço escutar ela
dizendo.
De qualquer forma, hoje ganhamos chocolates de Páscoa. Cris
comeu o dela e já pegou o meu. Cris come e come, Lady Ballet come, depois não
come, e bota pra fora. Somos todas malucas, cada qual com sua doença de
estimação. Bem, imagino que o fato de estarmos todas aqui deve indicar alguma
coisa. Confinadas nestes longos corredores, vagando pelo pátio, em volta do
chafariz, naquele caminhozinho lá de trás, a pequena floresta. Às vezes, quando
tenho permissão, vou lá para pensar. Talvez muito do que pense e não lembre
fique no inconsciente – e talvez esta maldita história da pequena Clara seja
isso mesmo. Ficou de alguma forma no meu inconsciente e escrevo para trazer à
luz da consciência.
Meu deus, será isso mesmo?
Psicanalistas do inferno.
Tenho vontade de voltar e apagar o que acabo de escrever –
mas não consigo. Meus dedos não param, meu cérebro não para.
O abismo se aproxima uma vez mais.
Não lembro se no ano passado, quando talvez tenha escrito
por esta mesma data, tentei criar uma Páscoa para Clara. Mas posso criar agora:
Clara acorda de manhã, corre pela casa procurando o ninho. Aposta com Jonas
quem vai achar primeiro. Marcos também está lá e corre junto. Um ninho está no
banheiro, outro está na área de serviço. O de Marcos, não sei. Não sei quem
acha primeiro, e não importa. Claudius ainda não tinha voltado a beber. Lara
não estava junto – ou estava, mas naquela manhã de domingo foi a titia-maninha
comportada. E Maria, a mãe mais linda do mundo estava feliz, de ver seus
lindinhos felizes também, comendo chocolates, explorando o ninho de palha forrado
com algodão. Barras de chocolate, ovinhos, talvez balas de goma. Por mim a
história podia terminar aí. Sei que ela não terminou ali e esse foi um recorte
bom de algo maior que foi ruim, mas se isso for reescrever o passado, mesmo
esse passado que não lembro, até porque talvez tudo dentro desta história,
inclusive eu mesma, seja simbólico, tudo bem. Por mim a história poderia terminar
aí. Hoje, agora.
Feliz Páscoa, pequena princesa.
19:10
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