15 de setembro de 2014
22:43
Não é tão tarde para começar a escrever, mas começo logo
antes de mudar de ideia. Meu destino é mudar de ideia, é desistir. Mas se
desistir de desistir for uma boa ideia na noite de hoje, então vou escrever.
Pensando de novo no piano. Pensando na vida que deve nascer destas frases que
escrevo sem programar e só tomo para mim a liberdade de escrever porque sei que
ninguém vai ler.
Apesar de que hoje Sabatha sentou ao meu lado no corredor.
Reparei como sua pele parece mesmo leite desnatado. Disse a ela que ela tinha a
voz bonita. Na verdade, não reparei hoje em sua voz – acho que ficou em minha
mente, maldito reino do inconsciente – e no instante seguinte, quando ela
sorriu, um tanto envergonhada e talvez agradecida, e disse que costumava ser
oradora, sei lá de onde, me arrependi porque suspeitei, temerosa que ela fosse dizer
o que de fato disse:
− Talvez um dia eu faça uma leitura pública
da história que você está escrevendo.
Não sei se sorri, ou se sorri e gelei, ou apenas gelei. Mas
não consegui perguntar como ela sabia que eu estava escrevendo uma história.
Não pode ser paranoia minha. Alguém me lê escondido, talvez mais de um me leia
enquanto durmo, ou quando estou fora do quarto, talvez comendo, ou passeando
pelos campos, quem sabe no raro momento em que vou até o riacho.
O piano.
Todos ouvem o piano enquanto escrevo.
Onde vamos chegar com esses personagens entrando e saindo,
Dafne, agora Sabatha, sei lá mais quem. Emília, Brownie. Jade. Gente que nem
lembro. E aquele homem que odeio. Que demorei a batizar, doutor dos infernos.
Maria, ó doce Maria. Mãe de Clara. Linda da mamãe.
De onde estou tirando isso, pelo amor de Deus?
Talvez esses personagens não sejam para se chegar a algum
lugar. Talvez seja para sair de algum lugar, sair daqui. Talvez tudo isso seja
um delírio desta mente febril. Mas temo em admitir: algumas coisas que escrevo
aqui fazem sentido. Talvez não para você, ou talvez só para você, que quem sabe
me entendeu antes de eu mesma me entender. Existe um mistério no meio dessas
linhas, que Sarah não pode me contar. Talvez eu também não queira saber. Por
isso me enrolo para contar, para escrever. Divago, tateio a narrativa. O inconsciente
tem suas próprias leis, a narrativa também. O texto me ensina como escrever.
Talvez eu já tenha escrito antes de chegar a este lugar.
Talvez Maria contasse histórias para Clara. Talvez elas
brincassem de escrever.
Um trauma dificulta a capacidade de simbolização.
O abismo se aproxima.
Difícil escrever, simbolizar, fazer algo produtivo com a dor
que não conseguiu ser e agora quer estar. De onde vêm as palavras que escrevo
aqui? Não importa. Elas vêm. E devem seguir.
Minhas costas doem. Falei com Cris hoje. Mais personagens. Acho
que ela está se recuperando aos poucos, deixando nascer esse fiozinho de
esperança que resisto em encontrar em mim.
Esse fio que há de crescer.
Enquanto eu me mantiver escrevendo, e aquele piano se
mantiver tocando. Suas teclas, pensei agora, são a esperança que procuro.
Enquanto elas viverem e espalharem sua melodia até o infinito, nós estaremos
bem. Eu, Maria e a pequena Clara.
23:03
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