18 de setembro de 2014
23:49
Você sabe, meninas não contam.
Meninas nunca contam.
Meu espírito parece querer voar para além desta janela
madrugada fora, além deste quarto-abrigo. Mas tenho que escrever. Sarah me
disse que um pedófilo é do jeito que é pelo jeito como suas pulsões e outras
coisas que não entendo foram sendo organizadas dentro dele, desde pequeno.
Então ele não sabe que está fazendo mal para o outro? perguntei.
− Sabe. Ele sabe que está fazendo mal para o
outro. E nisso está o seu prazer.
Suspiro, respiro. Meu espírito ainda vive. A madrugada está
começando. Claudius, como outros, é como se tivesse sido criado para fazer o
que fazia.
Meu deus.
Meninas nunca contam. Se contassem, ninguém acreditaria. Se
contassem, mesmo que muitos anos depois, ainda não acreditariam. Diriam que são
falsas memórias. Diriam que isso é passado. Que passou.
Passou porque não foi no de vocês, não é mesmo?
Teria passado para a pequena Clara? Teria passado para
outras Claras que estão por aí, quem sabe ao meu lado?
Passou para Maria, a mãe? Claudius que batia em Maria na
frente de Clara. Teria o pai de Claudius batido em sua mãe, vó de Clara? Teria
o pai de Maria se divertido com ela, e ela nunca contou, e se contou, não
acreditaram, e ela apenas passou a desgraça para a geração seguinte? Clara,
penso agora, nunca contou a ninguém?
Ou contou e não sei?
Como posso não conseguir inventar uma história? Apenas
escrevo. Sarah disse que não era para pensar. Clara, se viveu, teria encontrado
um sentido para tudo isso? E Maria? Sou mais perguntas do que respostas. Mas a
dor há de passar. Não sei como fazer para parar de sangrar. Por isso escrevo.
Não sei mais da família de Claudius, Dr. Vou Me Divertir Com Minha Filhinha.
Minha filhinha linda.
Me arrepio como mal posso descrever. Deve ser difícil criar
uma filha, penso agora. Se for menina é mais complicado. Meninas têm mais
dificuldade para se defender. Jonas deve ter defendido sua irmã. Mas talvez ter
batido nos garotos do colégio não aliviasse a dor de não conseguir defender
Clara do maior dos garotos, que habitava a casa: papai. E Marcos, onde entra
nisso? Acho que ele defendeu Clara, como talvez já tenha escrito em alguma
dessas páginas perdidas nas madrugadas. Perdidas no tempo. Talvez Marcos, além
de Lara, a cunhadinha, putinha, soubesse que Clara era sua irmã. Que mamãe
tinha dado para o titio e ele tinha uma irmã e um irmão. Não tinha pai, com
certeza. Mas tinha uma irmã. Uma irmãzinha linda.
Que talvez ele tivesse jurado defender. Talvez ele tenha
morrido para isso.
Os arrepios voltam. Parece que quanto mais adentro essa história
sem fim, essa desgraceira infindável, essa merda de história mal escrita, algo
acontece em meu corpo. Sarah disse que as pulsões nascem do corpo. Tenho uma
pulsão de escrever para sarar, então?
Sarah de sarar, nunca tinha pensado nisso.
Algum sentido Clara e todas as outras hão de encontrar.
Penso que em outras famílias, talvez em muitas das que
jogaram minhas colegas de asilo aqui, acontecesse coisas parecidas. Outras
Claras por aí. Tentando encontrar um sentido.
Que nem você e eu.
Você sabe. Meninas nunca contam.
00:10
Daniel,gostei muito de conhecer teu blog e ler uma parte dessa linda e misteriosa história!!Parabéns!!
ResponderExcluirLegal, Giseli. Seja sempre bem-vinda e obrigado pelo comentário. Ah, viu que teve capítulo novo ontem? :)
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