13 de setembro de 2014
00:14
Prometi para Dafne escrever hoje.
De novo ela veio com aquela conversa de fazer pinturas das
bobagens que escrevo. Olhei para ela, que parecia mesmo que ia se quebrar,
apontando seus dados magros para a parede, desenhando no ar. Talvez ela tenha,
em sua loucura, até pensado em me pintar escrevendo sozinha em meu quarto
escuro. Pensei que estas paredes são de madeira marrom. Mogno, sei lá. Não são,
mas visualizei o quarto de Maria, a Louca Que Escreve Trancada No Quarto,
assim.
A madrugada. Saudades, dores, lembranças que não consigo
desenhar. De novo, escrevo. Sem saber o que vem pela frente. Apenas seguimos.
Dafne estava conversando com outra garota – sou péssima em
descrever – magra e branca, tipo um leite desnatado, com cabelos longos e
volumosos, como se estivesse um tapete ou um esquilo grande morto sobre as
costas. Acho que o nome dela é Sabatha. Nunca tinha reparado, mas ela tem a voz
bonita. Pensei em minha loucura, porque a loucura definitivamente se contagia
através do ar, que essa Sabatha podia ler esta história em voz alta. Tipo um
sarau.
É claro que nem ela nem ninguém vai ler a história de Clara.
Mas pensei que uma voz bonita poderia colocar um pouco de
suavidade em uma história horrível.
Horrível.
O monstro do pântano que sequestrou a princesa do alto da
torre do castelo.
Claudius que abusou de Clara.
Claudius que matou a criança.
Que matou a vida.
Me arrepio quando escrevo isso. Choques perpassam meus
braços. Ainda não tive tempo para chorar. Claudius deve morrer. Mas não posso
programar isso. Apenas devo escrever. Esta história enfadonha a cada noite.
Suspiro.
Claudius que batia em Maria. Que se internava.
Ó, meu deus. Como eu.
Não posso deixar de registrar meus pensamentos em tempo
real. Sarah, maldita, me colocou neste labirinto e agora escalo estas paredes
de gelo. Que queimam.
Existe uma Maria nesta história que estou inventando.
Inventando, criando. Não foi baseada na realidade. Não pode ter sido. Se
escrevo a partir do meu inconsciente, como supõe Sarah, eu posso ter visto essa
história em um recorte de jornal. Posso ter sonhado com isso. Com este pesadelo
sem fim.
A história que estou contando é a história de quem, afinal?
Meu deus, como vim parar neste lugar?
Claudius que matou não uma, mas duas vidas.
Suspiro de novo.
Enquanto escrevo, elas vivem. Sei que sim. Elas vivem, ou
vivem mais um pouco, ou vivem outra vez. Maria, respirando por tubos. Clara,
pequena e doce Clara, também. Lady Clara lutando para viver. Clara que deve ter
tentado o suicídio. Sim, ela mexeu no fogão. Um clarão atravessa a escuridão
deste quarto. Minhas costas e meus olhos ardem. Clara que deve ter se cortado
também.
Cicatrizes.
Sou mais perguntas do que respostas.
Sarah disse que a psicanálise é assim mesmo.
O abismo se aproxima. Um dia meus questionamentos terão fim.
Talvez ainda não esteja pronta para isso. Porque dói. Cada palavra que escrevo.
Cada passo que dou mais perto do abismo.
Dói mais que um incêndio.
00:40
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