Acordei hoje e fui ler mais um pouco desses livros que falam
sobre a teoria literária, talvez para deixar meu texto menos pobrinho e, também
não sei a troco de que santo, terminar de escrever esta história. Parece que a
escrita me chama, e por algum motivo extraterrestre e, de novo, sem ter a menor
noção do que vou escrever em seguida, escrevo agora.
O caso é que descobri que Claudius, um nome que já pensei em
atribuir ao homem alto e moreno de cabelos lisos muito tempo atrás, e também
não sei explicar porque lembro disso se não lembro o que escrevi anteontem, era
o nome do padrasto de Hamlet.
Você já leu Hamlet?
Sabe mais sobre Claudius?
E agora, devo chamar o homem moreno e alto de cabelos lisos,
pai de Clara, por Claudius? E se ele não for pai, mas padrasto de Clara? Maria
Detetive Que Vai Seguindo As Pegadas Que O Tempo Quis Apagar. Eu li Hamlet,
muito tempo atrás. Por que Claudius apareceu, ou melhor, reapareceu em minha mente?
De qualquer forma, agora é comecinho de tarde. Um novo mês
tem início hoje. Estou muito perdida em uma porção de coisas, mas sei que um
novo mês está começando hoje, e a tarde está começando. A porta está aberta e
aqui faz silêncio, como depois de uma festa em que todos estão de ressaca – ou no
dia seguinte a todos terem morrido.
É começo de tarde. Em minhas buscas por encontrar uma
história, e acho que foi mais ou menos assim que começou essa não-história,
cogitei que do lado de fora da janela ao lado do lugar de onde escrevo existe
uma pracinha. E que algo aconteceu nessa pracinha. Não pude ver esse lugar
porque geralmente escrevo de noite, mas acho que o homem moreno de cabelos
lisos, bem, Claudius, por enquanto, brincava com Clara. Quer dizer, ele ficava
apalpando Clara. Talvez um pouco mais do que se esperaria que um pai fizesse,
ou de uma forma, digamos, carinhosa demais – aquilo não era carinho, pensei
agora.
Ele estava tocando nela como se tocasse uma boneca inflável.
E Lara estava junto na praça.
Talvez Maria, a mãe, estivesse. Talvez não estivessem
juntas, talvez fosse a época em que Maria estava internada no hospital e sua
irmã Lara tivesse ido passar uns tempos na casa de Maria para ajudar a cuidar
das crianças.
Ela ter dormido com o cunhado foi bônus, suponho.
Mas acho que conforme vou escrevendo algumas coisas vão
voltando. Não posso ter esquecido tudo. Alguma coisa deve ter ficado em minha
memória. E se consigo me lembrar desta historiazinha que eu mesma inventei,
talvez quando terminar de contar lembre como vim parar neste lugar. Acho que é
isso o que Sarah espera, por isso ela me olha quando passa pelo corredor, e às vezes pergunta, às vezes não pergunta, mas sempre quer saber: como vai a história de
Clara?
Como termina a história de Clara?
A foto da pequena Clara sobre as costas de Maria, debruçada
na grama, uma foto que incluí nessa história, confesso, alegrou meu coração. Talvez
nem sempre seja fácil alegrar meu coração – e imagino que você já tenha
percebido isso há tempos – mas essa foto conseguiu a façanha. Uma foto que eu
mesma inventei, suponho, para a história. Mas a história que é ditada pelo meu
inconsciente, porque – repito – não sei o que vou escrever. Apenas escrevo. E
Sarah me disse que era assim mesmo que é para fazer. Não pense, escreva. A
história de Clara vai se escrever por si só. Mas você precisa escrever. Precisa
começar.
Esses psicanalistas e seus mistérios.
Não importa. Importa é a foto que surgiu na história. Clara
e Maria sorrindo em um dia de sol, as duas deitadas, uma sobre a outra, sobre o
imenso tapete de grama, sob o teto de árvores.
As duas sorrindo.
Agora posso continuar escrevendo essa história.
Ou posso morrer feliz.
Amanhã eu conto o que decidi fazer primeiro.
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