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Às vezes, amanhã
é outro dia.
Às vezes, não.
Eu continuo com
vontade de explodir este lugar de merda.
E confesso que
não me importaria se estivesse aqui junto para ver tudo indo pelos ares.
É claro que
pensei em minhas queimaduras agora.
Mas tem outra
coisa queimando.
Por dentro.
E dói.
Dói pra cacete.
E no meio de
tudo isso, ainda tenho que pescar Clara. No mar de sentimentos revoltos, tenho
que achar minha pequena náufraga. Pequena náufraga, daria um nome de poema, e
eu escreveria, se soubesse escrever. O caso é que sonhei com o homem moreno e
alto de cabelos lisos. Em minha mente de projeto de narradora, nesta história
que estou tentando contar, Claudius era um bom vizinho. Ele sorria,
cumprimentava a todos. Parava para conversar. O tipo de pessoa que não se
imaginaria fazendo as coisas que fazia entre quatro paredes, e não estou
falando das paredes que rodeavam Maria. Talvez nem das paredes que rodeavam
Lara, que deveria estar cuidando da sobrinha em vez de trepando com o cunhado.
Mas as paredes que cercavam Clara, que aprisionavam Clara, ela mesma
prisioneira dentro de si, porque ninguém ia acreditar que o Sr. Dr. Claudius
esfregava o pipi no popó da filhinha.
Ele sorria para
os vizinhos, e todos sorriam de volta. Dr. Claudius.
Sarah disse que
existe um troço chamado falsa memória, e imagino que se Clara tivesse dito algo
àquela altura, Claudius convenceria a todos que a coitadinha fabricou aquela
memória e como, na prática, não dá para comprovar a veracidade, fica o dito pelo
não dito, a palavra de uma criança contra a palavra do médico, o que uma
fedelhazinha saberia mais que um doutor conceituado?
Ela saberia,
mais do que qualquer um, que doeu. Cada dia, cada segundo.
E, de alguma
forma, dói até hoje.
Embora ainda não
saiba como termina a história de Clara porque preciso continuar escrevendo para
desvendar este mistério.
Segundo dia que
não janto com Cris. Acho que ela jantou antes de mim hoje. Não digo que fiquei
triste, porque hoje não deu tempo de ficar mais triste – o nível subsolo da
tristeza. Agora estou melhor. De alguma forma, escrever esta história que
ninguém jamais vai ler, até porque vou jogar tudo no lixo assim que eu
terminar, me ajuda. Um certo processo de cura perpassa meu espírito, embora não
sei o que necessita ser curado.
Além de tudo.
De qualquer
forma, o mistério de Clara não é só dela. É meu também. Preciso descobrir como
vim parar aqui. Então, mesmo sem vontade, com as costas doendo, às vezes os
olhos também, às vezes com fome, preciso continuar escrevendo. A porta voltou a
se fechar. Este lugar não vai explodir. Não hoje.
Posso escrever
mais amanhã.
Antes que tudo
exploda.
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