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Pensei em escrever antes para registrar que a química em
minha cabeça parece estar mudando.
Sei lá, me senti feliz hoje.
Maria Se Sentindo Feliz.
Queria registrar, porque você que me acompanha sabe que isso
não é muito normal.
Não que me importe. Ou me importe, mas finjo que não. Maria
Que Finge.
Pensei em ler algumas das coisas que escrevi, e já nem
lembro mais, como não lembro de muitas coisas. Não sei se Sarah diria para eu
voltar atrás e reler alguma coisa. Pensei o que fazer sobre os meninos Jonas e
Marcos. E – sei que você vai achar uma artimanha muito fajuta desta pretensa
escritora, mas – tive outra boa ideia hoje, e esqueci.
Um dos garotos defendeu Clara. Ele bebeu no lugar dela,
quando Claudius, esse homem maldito, quis forçar Clara a beber. Não sei se o
garoto que enfrentou Claudius era Jonas ou Marcos. Como continuo tateando essa
narrativa, vou imaginar que o garoto era Marcos e ele era filho de Lara.
Portanto, primo de Clara.
Primo e irmão, porque – segredo de família – o filho de Lara
era filho de Claudius também.
Não me surpreende que Maria, a mãe, estivesse sempre em
depressão. Acho quase impossível ela não saber o que acontecia. Mas não sei.
Imagine, Claudius fez sexo com as três. Com a esposa Maria, com a cunhada Lara,
com a filha Clara.
Filho da puta.
Eu queria colocar um piano nesta história e fazer ele cair
em cima da cabeça desse homem – mas acho que ficaria meio forçado. Não que ele
não merecesse, mas – andei lendo mais um pouquinho de teoria literária – isso seria
um Deus ex machina, além de um
clichê. Até mesmo uma escritora horrível como eu sabe disso.
Acho que um dos garotos foi morar em outra casa. Claudius
tomava banho com pelo menos um deles. Ele abusou dos garotos também? Não sei.
Queria que fosse tão mais fácil escrever essa história, mas acredite: nunca é.
Pelo menos hoje ainda não está doendo escrever. Vi Cris mais cedo, ela e seu
olhar de tristeza, acho que por causa de seu amor que foi embora daqui, a
Faele. Às vezes Cris sorri e eu fico feliz por ela. Talvez eu devesse escrever
meus sentimentos em relação a isso. Mas já é suficientemente trabalhoso, e
muito trabalhoso, criar a história de Clara e entender como afinal os
personagens se relacionam.
Às vezes queria lembrar mais. Talvez pudesse pegar mais
elementos da minha vida para compor essa história.
Pausa.
Escrevi isso mesmo? Lembrar de elementos da minha vida para
compor essa história?
Que feitiço é esse que quando começo a escrever, as frases
vão surgindo assim, como de trás de uma árvore de outras frases? Sarah está me contaminando
com sua loucura. Esses psicanalistas são todos perturbados mentais. É isso.
Loucos de atar.
Mas e se ela estiver certa no fim das contas?
Porque é impossível que eu, que nunca consegui escrever (ou
será que já consegui e por causa de algum trauma também não lembro?), esteja
criando essa história a partir do nada. Como disse, ou acho que disse, tudo o
que a gente escreve é autobiográfico, em maior ou menor grau.
E se ela estiver certa?
Sarah, não faça isso comigo. Não faça, cadela, maldita. Sarah,
sua puta, não faça isso comigo.
Não comigo.
Meu deus, não comigo.
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