21:56
Sei que você vai dizer que estou me repetindo, mas estou com
fome. Vou jantar com Cris, que disse que vai cozinhar para mim, e confesso que
gostei do gesto. E gosto de jantar com ela.
Por favor, sem outras interpretações, certo?
O caso é que disse que eu ia escrever, e ela disse tudo bem.
Insistir mais um pouco nesta historinha. A história de Clara. A garotinha que
se perdeu por aí, e ainda não sei exatamente como ela se perdeu. Quer dizer,
não precisava muito, depois de tudo o que ela passou, depois de Claudius,
depois de Lara, que deveria cuidar dela enquanto Maria, a mãe, estava no
hospital. Consigo entender como ela se perdeu.
E talvez escreva para descobrir se ela é encontrada no fim.
O tempo está mudando. A química em meu cérebro parece estar
normal hoje, e até me sinto uma pessoa normal. Nada mal para um começo de noite
neste lugar do qual pouco falo. Sarah me disse para continuar escrevendo, ela
também quer saber da história de Clara.
Clara poderia ter se tornado pianista. Seria um bom final.
Mas o que acontece com Maria?
A mãe.
Espero que Cris não demore, fico irritada quando estou
com fome. Mas talvez seja melhor irritada do que triste. Um estrogonofe não
poderia resolver minha dor.
Fico sem escrever e Clara parece que está mais longe de mim.
Não tenho escutado mais o piano. Talvez o piano seja o coração desta história,
pensei agora. E vou escrevendo, sempre – sempre – sem ter a menor noção de que
palavra ou frase vai vir em seguida, e sei lá de onde as coisas surgem.
Sei que a psicanálise vem do inconsciente, e sei que a gente
conta histórias a partir do inconsciente.
Sarah que quer me doutrinar. Só pode. Mas não penso muito
nisso. Ela disse que era só para escrever. Não pense, só escreva. E é o que
tenho tentado fazer. Marcos e Jonas, os garotinhos. Escrevi sobre eles, mas me
comprometi a não reler meus escritos. A dor pode voltar. E vai voltar, porque
tudo o que escrevi aqui está recheado de dor. Dor cimentando as palavras,
colando as frases, e dando um sentido.
Para aquele piano que deve voltar a tocar.
Maria que tocava piano.
Clara que escutava.
Não sei se Claudius já estava se divertindo com Lara.
Ou com Clara, maldito seja.
Mas sei que, por algum motivo, aquele piano deve voltar a
tocar. As teclas davam algum sentido que tento encontrar para a dor que
aconteceu, e não sei se ela sumiu. Como eu queria simplesmente escrever e
contar a história de Clara como uma escritora de verdade em vez de me perder em
devaneios, mas Sarah disse que não era para me preocupar com isso. Era só para
escrever.
E confiar que no fim tudo isso vai fazer sentido.
22:12
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