#PianoParaPequenaClaraNoJoSoares
#josoares
17
de novembro de 2014
21:21
Hoje
uma dessas malucas passou por mim no corredor com uma roupa que parecia um
pijama, como se as outras também não tivessem roupas estranhas, e me disse:
− Quero
ver você escrever um novo capítulo da sua historinha hoje, antes das 10 da
noite.
E
sumiu no corredor.
Nunca
tinha falado com ela.
Tenho
menos de quarenta minutos, neste momento.
A
porta está aberta. O corredor está deserto. Não tenho nada para escrever, mas
não tinha nada para escrever desde a primeira linha. E algo aconteceu. Então
vou escrever. E confiar que algo vai acontecer. Tipo uma historinha surgida do
nada.
Ouço
uma melodia que me arrepia, distante como o tempo, mas tão perto como o tempo,
e que ainda não sei se existe de verdade ou está só nos confins da minha
cabeça. Nos confins de mim. Mas, acho, se eu imagino que existe, então existe.
É o meu mundo interno, diria Sarah.
Sabby
disse que deixaram ela sair, e ela comprou bolachinhas e chocolate. Então ela
voltou e disse que um homem estava comprando muitas cervejas.
Não
sei se já falei pra ela, mas eu não bebo. Por algum motivo, o cheiro de álcool
me traz uma sensação ruim, de além do horizonte.
Claudius
bebia.
Claudius
batia em Maria, a mãe.
Claudius
abusava de Clara, a princesa mais linda do universo. Sua filha.
Claudius
voltou a beber depois de dez anos, quando estava se divertindo com Lara,
provavelmente no quarto de Maria, quando ela estava internada no hospital.
Lara, irmã de Maria.
Putinha.
Sabby
contou que foi naquela festa, para a qual se arrumou com vestido e tudo. Ela disse
que viu uma garota com cabelos curtos que ela achou que tinha uma namorada, e
que conversou com um outro cara, que tirou ela para dançar, mas ela disse não.
Não sei se isso aconteceu mesmo ou ela sonhou. Na verdade, se ela me conta, em
algum nível, aconteceu. Faz diferença? A ideia desse pessoal dançando é algo
que aproxima este lugar de um manicômio. Mas um manicômio feliz, suponho. Um
pouco de dança, por que não?
Achei
estranho essa garota de pijamas me intimar a escrever mais um capítulo desta
história, horrivelmente mal escrita, que nem história é. Apenas um delírio.
Ou
será que não?
Sarah
está me pregando peças. Alguém, não sei quem, talvez ela, sabe para onde estou
indo. Mais do que eu, ou mais do que eu consigo ver. Ou quero ver.
Não
vi Cris hoje, mas comentei assim, bem por cima, largando uma palavrinha aqui
outra ali, sobre a história de Clara. Ela perguntou por que Clara não visitava
Maria no hospital, na prisão, no manicômio, ou seja lá onde ela esteja.
Não
sei.
Mas
acho que desci mais dentro de mim pensando nisso.
Então
ela falou:
−
Se eu pudesse dizer alguma coisa para essa Maria, seria: não desista.
Senti
vontade de chorar.
Acho
que no fundo o que ela quis dizer, porque foi embora depois disso e não disse,
é isso mesmo, e me arrepio, e tenho vontade de chorar, mas sigo em frente
porque escrever dá um novo sentido às minhas cicatrizes, às minhas queimaduras,
às faltas que tenho, que Sabby tem, que Dafne tem, que Brownie tem, Jade, e
todas nós. É isso o que ela quis dizer, e escrevi tudo isso para registrar o
que sempre esqueço, mas também acabo lembrando, feito bichinho no ouvido,
bichinho bom, que insiste, que quer, que implora:
−
Não desista, Maria.
Não
vou desistir, Cris.
Hoje
não.
21:42
Ficou massa esse delírio!!
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