Quarta-feira,
5 de novembro de 2014
22:12
Só
vou escrever agora porque não tenho a menor ideia do que vou escrever a seguir.
Talvez seja esse confiar em algo que não enxergo e que dita as palavras que vou
colocando aqui, sem pensar, noite após noite, que me faz seguir em frente.
Estou cansada. Mas antes que decida desistir, desisto de desistir.
Não
sei se é memória ou alucinação.
Mas
ouço o piano.
Sarah
deixou uns textos por perto, e desconfio que ela estava esperando a minha curiosidade
me fazer pegar um ou outro escondido, que falavam sobre trauma e memória. Quem
tem um trauma não consegue representar. Clara não conseguia brincar para
descarregar suas angústias.
E
eu nunca sei o que vou escrever.
Deve
haver uma similaridade nisso.
O
passado não passa, é revivido – mas a gente não lembra o que aconteceu. Li
fragmentos e me deu um afã de vir aqui escrever estas palavras que ninguém vai
ler. Mas desconfio que não uma, mas algumas pessoas me leiam escondidas. Sabby
disse que a vida sem poesia não é vida; é apenas uma coisa que a gente passa,
assim, por passar. Dafne disse que mesmo a vida mais cinza tem outras cores.
Cores
lindas.
Talvez
o que eu faça aqui, Maria Paranoica Que Acha Que Tem Gente Que Lê Esta História
De Merda Sem Que Eu Saiba, seja procurar outras cores para a história de Clara.
Minha
menina linda.
Dói
como um corte no pulso, mas também é lindo como um corte no pulso.
Olho
as cicatrizes em meus braços, depois as queimaduras, uma vez mais.
Quero
encontrar coloridos para esta história horrível. Papai que abusava da filhinha,
batia na mamãe, comia a titia, alcoólatra que voltou a beber depois de dez
anos. Tem algo que esqueci?
Sim,
a parte boa.
Não sei qual é. Mas tento encontrar. E encontrar essa garotinha e essa mãe, essa Maria, Maria como eu, me faz acreditar que existe um colorido no fim de tanta dor. Me arrepio quando escrevo a palavra dor, mas você, seja você quem é, ou vocês quem sejam, sabe que a dor da qual falo não é apenas a que a gente vê por fora. Aliás, dor nenhuma se vê por fora. A gente não vê dor. Não sente a dor do outro – só quem sente é quem sente, não é mesmo?
Minhas
costas doem. Hoje não vi Cris. Neste momento tenho saudades dela. E tenho
saudades, sempre, daquilo que não lembro. Daquilo que perdi, e sei que perdi a
mim mesma. Mas conforme vou escrevendo, algo nasce lá no horizonte, onde está o
penhasco, do qual fujo mas para o qual me dirijo. Noite após noite.
Mas
há uma cor, e é nisso que queria pensar agora. Eu tive um sonho. Não sei se foi
sonho sonhado ou apenas inventei isso em minha mente de pessoa que cria coisas
que não existem, ou talvez tenham existido e não sei mais o que é realidade ou
sonho. Tudo é sonho, suponho. Mas eu estava em uma sala com uma mulher tocando
um piano negro sobre um tapete claro. Ao seu lado, uma criança. Essa mulher era
Maria, a mãe. A criança era Clara, a pequena Clara, Sweet Lady Clara. A
bonequinha mais linda do mundo. Só que havia um nevoeiro em volta delas. E eu
não consegui ver seus rostos. Sei que eram elas. Mas não consegui ver seus
rostos.
O
que Sarah diria desse sonho?
Não
sei e não me importo.
Eu
estava lá e elas também não me viam. Não havia eu, havia apenas o piano. Havia
apenas Maria tocando para Clara. Meu deus, Maria tocando para Clara. E eu
estava escondida. E tive vontade de chorar. Chorar escondidinho. E eu sabia que
elas não me veriam, eu era invisível, talvez eu estivesse morta, se é que já
não estou. Fiquei olhando para elas, mãe e filha, sem nada para estragar essa
pintura.
Sem
nada para estragar essa pintura.
É
então que começo a chorar.
Comecei
a chorar no sonho e choro agora.
Escondidinha.
Escondidinha
e feliz.
22:35
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