Quinta-feira,
27 de novembro de 2014
21:39
Hoje
vim para cá com vontade de escrever. De compartilhar com seja lá o que houver
do outro lado essa coisa que nunca sei nomear e que me faz sentir.
Viva,
talvez.
Se
é isso que chamam de felicidade, então hoje estive feliz.
Feliz
depois de tudo o que passei e não, não me lembro o que foi. É claro que houve
algo que me fez esquecer de tudo. E doeu, e dói até hoje. Mas às vezes a dor
passa. Ela tem passado quando escrevo e fico quase grata por ninguém ler isso
aqui, assim posso ser...
Eu
mesma?
Ouço
violinos.
Lindos
como um corte no pulso.
Como
rosas cujos espinhos cortam e rasgam. Mas não deixam de ser rosas por causa
disso.
Tenho
vontade de chorar.
Mas
então espero. E continuo escrevendo.
Dafne
me contou coisas. Ela disse que estava feliz. Que a história do pontinho de luz
no escuro se transformou em um céu estrelado e agora é esse céu que ela vê.
Hoje, amanhã, não sabemos.
Clara,
a pequena Clara, talvez também tenha encontrado seu céu estrelado. Quem sabe,
Maria, a mãe, também.
Ouço
violinos e não sei de onde eles vêm. Vejo rosas pela calçada, pelo campo aqui
perto, como um tapete vermelho que se espalha até o horizonte. Estou tendo um
delírio? Quem se importa? Foda-se, é bom. Me faz sentir em paz. E me dá força
para chegar mais perto daquele penhasco. Um dia de cada vez.
Qual
foi o grande trauma que me fez esquecer de tudo?
De
novo, tenho vontade de chorar. E me arrepio, e quero parar de escrever. Mas não
consigo.
É
lindo como um corte no pulso e sempre que escrevo isso, olho para as cicatrizes
em meus braços. E as queimaduras.
Queria
que estivesse chovendo. Mas não está, embora este vento me sugira: esperança. O
vento quando sopra em um corte, alivia. Não é uma metáfora interessante? Dor e
esperança estão interligadas, nesta história que vou desenterrando sei lá de
onde a cada noite que fico presa aqui. Uma solitária livremente escolhida,
embora ainda não ache que tenha escolhido tudo isso.
Ou
será que sim?
Sarah
insiste com esse papo de inconsciente, e tudo o que aquele velho tarado fez ela
e um monte de gente doida acreditar.
Mas
e se ele estiver certo?
O
maldito homem alto de cabelos lisos e negros que demorei tanto para batizar.
Se
alguém passou por um abuso, não consegue simbolizar.
Me
arrepio uma vez mais.
Deus,
que não seja este o fim que entrevi agora.
Por
favor, Deus, se existe mesmo algo aí nisso que chamam de céu: que não seja esse
o final que entrevi agora.
Maria,
a mãe, talvez tenha sofrido abuso e como ela ficou quieta, ou falou e não
acreditaram, a desgraça foi passada para a geração seguinte. Claudius, maldito
seja, deve ter tido antecessores. Mas quero acreditar, porque sou eu que
invento esta merda de história, e eu deveria escolher o que acontece ou não,
mas meus personagens parecem ditar o que acontece e não eu, a história me
ensina como quer ser contada, eu, péssima escritora, ainda assim quero
acreditar: essas duas ainda podem encontrar um sentido para toda a dor que
aconteceu.
Maria,
a mãe, contava histórias para Clara. Talvez ela escrevesse, talvez não. Clara
talvez, assim que aprendeu a escrever, também inventasse histórias. Mas talvez
tenha perdido a capacidade de simbolizar assim que papai começou a ver filhinha
como sua putinha.
Filho
da puta, maldito.
Ele
que não se contentou com Lara, vagabunda dos infernos, teve que fazer da sua
filha um brinquedinho. E se foi depois que ele voltou a beber, depois dos dez
anos, quando ele estava se divertindo com o champanhe no corpo de Lara, mais
novo que o corpo de Maria, a mãe, sim: então Lara teve culpa no que aconteceu
com Clara depois.
Que
merda de história, comecei a falar de poesia e voltei a esse miserável, que
espero que esteja queimando no inferno.
Claudius
morreu?
E
Maria, a mãe?
E
a pequena Clara?
Eu
não sei. Apenas queria retomar a poesia. Apagar tudo isso. Começar de novo.
Inventar um novo final. Quem sabe um novo começo. Uma nova história.
Para
todas essas garotas com fendas que estão por aí e que talvez me leiam
escondido. Garotas com fendas. Acho que é isso. Escrevo para mim, mas agora
percebo: não é só para mim. Também escrevo para dar um sentido a dor que, hoje
começo a entender, não é só minha.
E
se eu conseguir encontrar um sentido para tudo isso, talvez elas também possam.
E
se é isso que chamam de amor, então Maria, a Louca Que Escreve Trancada No Quarto E Que Se Arrepia E Tem Vontade De
Chorar, pode aprender a amar.
22:07
Mary: também não me ensinaram a amar.
ResponderExcluirSabby
Sao tantas memorias relendo esse capítulo... Mas nada é por acaso e precisava ler sobre esperança.
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