2 de novembro de 2014
18:50
Coloco a cabeça para fora e enxergo:
está chovendo. Sinto o vento frio que me faz escrever. Não sei se fui eu quem chamou
a chuva, porque de tempos em tempos penso que esta história vai terminar (ou
terminou, se eu estou contando uma história no passado e ainda não sei) em um
dia de chuva. O dia cinza. Ainda é dia, embora o véu de chumbo do céu, lindo,
me diga que logo vai ser noite. Não ia escrever hoje. A chuva me forçou. Fiquei
lendo, para ver se melhoro esta história, se aprendo com as palavras e as
frases bem feitinhas dos outros, já que as minhas são tão ruins.
Mas se ninguém vai ler, para que
me importar?
Porque eu estou lendo e sentindo
o que senti ao escrever isso. Por pior ou melhor que tenha ficado.
Há ainda a possibilidade de fantasmas
leitores verem o que escrevo. Certamente existem. Embora isso me assuste, aos
poucos – bem aos poucos – talvez esteja começando a aceitar.
Lembro vagamente que no começo
disso tudo havia uma praça. Talvez a tenha visto, ou imaginado, da minha
janela. Um escorregador por onde Clara descia. E Claudius, embora naquele ponto
eu estivesse apenas desconfiando a partir do que fui escrevendo, brincava e apalpava
Clara. Como uma mulher, não como uma criança, gostaria de frisar.
Será que ele tinha noção do que
estava fazendo?
Não sei se ele já tinha voltado
a beber.
Digamos que não, e que ele
apenas estivesse brincando com a filha.
Meu deus, que história horrível.
Mas não consigo parar de
escrever.
O fantasma não vai sossegar
enquanto não escrever isso até o fim e sei que não posso pegar atalhos. Poderia
terminar hoje: todos morrem. Fim.
Mas não sei se é assim mesmo que
termina. E se for, ainda tenho esperanças de mudar o futuro.
Ou o passado.
Mudar qualquer coisa. Mudar o
que sinto, embora não saiba exatamente descrever esses vendavais que passam
aqui dentro. Por isso escrevo. Sarah sempre fala: coloque em palavras. E uma
vez ela disse que nas famílias em que o sexo era visto como a forma de
demonstrarem amor entre si, às vezes a criança não sabia que estava sendo
abusada, porque era como se o papai estivesse demonstrando amor pela filhinha.
Juro que vou jogar esse lixo de
história fora. Quando parar de escrever.
Mas não paro. Então não jogo
fora. Não jogo fora hoje.
Hoje chove.
Eu queria tanto ver esperança
nesta história. Reencontrar aquilo que se perdeu.
A começar por mim.
Um final feliz, por que não?
Uma melodia daquele piano que
faz tempo que não ouço.
Há quanto tempo não ouço?
Há quanto tempo estou aqui?
Meu deus, há quanto tempo estou
aqui?
E por mais quanto tempo ficarei?
Minhas costas doem. Ainda é dia.
Em minutos será noite. A porta está aberta. Ninguém nos corredores. Só eu aqui.
Eu e a pequena Clara.
19:06
Onde está a pequena Clara?
ResponderExcluirSabby
Me pergunto a mesma coisa. Tenho que continuar procurando. Talvez hoje à noite, assim que terminar um texto que Sarah me deu para ler, sobre a "Dissecção da personalidade psíquica".
ExcluirAh, perguntou para a Dafne sobre suas pinturas?
Mary